Análise: Reforma administrativa deixa ‘supersalários’ de fora e escancara falta de coragem do governo

A proposta de reforma administrativa apresentada pelo governo federal ficou muito aquém do esperado. O texto divulgado nesta quinta-feira, 3 — após mais de um ano de formulação — foi descrito pelos técnicos do Ministério da Economia como moderno e responsável, porém, deixou uma série de dúvidas sobre sua real eficácia, ou como será recebido pelo Congresso Nacional. A exclusão dos “supersalários” do funcionalismo público, a omissão quanto aos benefícios de membros do Judiciário e Legislativo e a exclusão dos militares das novas regras mostram a falta de coragem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em apresentar uma proposta robusta e eficiente.

Para Alan Vendrame, coordenador do curso de Direito do Ibmec de São Paulo, o projeto de reforma da máquina pública foi divulgado sem mostrar os objetivos racionais por trás das mudanças propostas. A pouca clareza é reforçada pela falta de articulação do governo federal em alinhar as propostas com os outros poderes e pela ausência de informações sobre os impactos que a reforma vai causar ao funcionalismo público. “Faltou coragem ao Executivo no planejamento, na articulação e no encaminhamento da proposta. Não adianta o presidente querer passar uma imagem de austeridade comendo um pão com manteiga na padaria quando não se dispõe a fazer uma reforma ministerial”, afirma.

Nelson Marconi, professor de economia no curso de Administração Pública da FGV, aponta a incoerência do Planalto em manter um discurso de responsabilidade fiscal e excluir a reformulação de benefícios extremamente onerosos da reforma administrativa. “Decepciona porque é imparcial. Se o governo fala tanto combater os ‘supersalários’, por que não faz isso? E por qual razão os militares estão fora dessa reforma? Isso não tem lógica”, afirma. O texto apresentado nessa quarta abrange servidores da União, estados e municípios, porém, questões de “membros do Poder” dependem de uma regulamentação própria para serem alteradas.

Além da exclusão de benefícios, os dois especialistas criticam a forma que o texto foi encaminhado. A mudança da máquina pública foi uma das promessas do então candidato Jair Bolsonaro, e a reforma administrativa sempre foi elencada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como um dos impulsionadores das atividades econômicas. O marasmo sobre o assunto, no entanto, culminou com o pedido de demissão de Paulo Uebel da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital no mês passado, alegando a falta de interesse do governo na medida.

Para Vendrame, o anúncio na terça-feira passada, 1, que o texto seria mandado nessa quinta é estratégia para reforçar a imagem de preocupação das contas públicas adotadas pelo governo. “Entendo que foi uma cartada em ano eleitoral. Mandaram um texto desidratado, que não sabemos os seus efeitos.” Já o professor da FGV, apesar de destacar pontos positivos, como a criação de contratos diferenciados e a exclusão do regime jurídico único, diz que a divisão da reforma em três etapas prejudica a aprovação. “Assim, se criam três frentes de desgastes diferentes. A segunda e terceira etapa se referem a situações importantes, mas nada é muito claro.”

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