Pesquisadores usam superlaboratório para enxergar interações de diferentes moléculas atrás desse “acesso” em proteínas do Sars-CoV-2. Sirius, laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, reforça a ciência no enfrentamento do novo coronavírus
Nelson Kon
Cientistas contam com o auxílio do Sirius, superlaboratório de luz síncrotron de 4ª geração instalado em Campinas (SP), na busca por uma “chave” para desativar o novo coronavírus. E para isso eles miram proteínas do Sars-CoV-2 com funções ainda não totalmente compreendidas pela ciência. O caminho pode resultar na origem de medicamentos para interferir no ciclo de vida do vírus.
Esse é o primeiro experimento de pesquisadores externos realizados no Sirius, que fica dentro do Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM). O grupo do Instituto de Física da USP de São Carlos usa o acelerador de partículas de R$ 1,8 bilhão para analisar mais de 200 cristais de proteínas do vírus.
Entenda o Sirius, o novo acelerador de partículas do Brasil
O grupo busca compreender os mecanismos de ligação de proteínas não estruturais (NSP) do coronavírus com fármacos. Entre as proteínas estudadas pela USP está a NSP-15, cuja hipótese é que seja usada para driblar o sistema imune das células.
Outras duas proteínas (NSP-3 e NSP-5) também são alvos de interesse dos pesquisadores, já que as duas têm papel na replicação e transcrição do material genético do vírus.
Encontrar as ligações e as “chaves” que melhor se ligam a essas proteínas é a missão do grupo. Ao CNPEM, um dos responsáveis pela coleta de dados da pesquisa, André Godoy, destacou como a linha de luz do Sirius, ainda em fase de comissionamento, pode acelerar os avanços nessa área.
“O Sirius superou minhas expectativas. O que você conseguia fazer em horas [no antigo acelerador de elétrons do CNPEM], agora você faz em minutos. Isso torna a técnica escalonável do ponto de vista de quantas amostras você consegue analisar, e permite fazer novas técnicas”, diz.
Por conta da pandemia, o grupo precisou se dividir entre os trabalhos no laboratório da USP e na coleta de dados no Sirius. Aos chegarem para utilizar o acelerador, registraram a “presença dos colegas” com fotos nas caixas de material que serão analisados.
Por conta da pandemia, dupla que saiu da USP para coletar dados no Sirius exibe foto de colegas no material que será analisado
Arquivo pessoal
Primeira imagem
Maior investimento da ciência brasileira, o Sirius realizou em julho os primeiros experimentos ao obter imagens em 3D de estruturas de uma proteína imprescindível para o ciclo de vida do novo coronavírus.
A análise de uma proteína já conhecida serviu para validar e habilitar o funcionamento do acelerador, concebido para analisar diferentes materiais em escalas de átomos e moléculas.
Imagem em 3D de proteína do novo coronavírus obtida no Sirius, superlaboratório instalado em Campinas (SP)
Sirius/CNPEM/Divulgação
Após essa etapa, o CNPEM, que abriga o Sirius, passou a receber propostas de cientistas interessados em usar a estrutura para avançar nos estudos para enfrentamento da doença.
A primeira linha de pesquisa a ficar ativa e que fez as imagens da estrutura da proteína é chamada de Manacá, dedicada a técnicas de Cristalografia de Proteínas por Raios X. Na prática, é a estação que pode ajudar cientistas a encontrar ou melhorar um fármaco capaz de inibir ou agir frente ao novo coronavírus.
É nessa linha que o primeiro grupo de cientistas de fora do CNPEM testa 200 cristais de proteínas do coronavírus na busca por essa “chave” para descobrir ou elaborar um novo fármaco.
Estação de pesquisa Manacá, primeira a ficar pronta e operacional no Sirius, em Campinas (SP)
CNPEM/Divulgação
Quase lá
Uma força-tarefa vem sendo realizada desde o início da pandemia para entregar duas das 13 linhas de pesquisas previstas na 1ª fase do projeto do Sirius. Depois da Manacá, que realizou as primeiras imagens em julho, a expectativa dos cientistas é colocar em operação, ainda neste ano, a Cateretê.
Essa nova estação de pesquisa utiliza a aplicação de técnicas de Espalhamento de Raios X, capaz de produzir imagens celulares únicas no mundo, segundo os especialistas. Na prática, os cientistas conseguiriam, pela primeira vez, ver e resolver todos os processos biológicos que ocorrem em única célula.
O circo e a mexerica…
Para ser ter uma ideia do que os cientistas que trabalham no Sirius tentam “enxergar” e entender com a ajuda do superlaboratório, basta ver a comparação feita pela pesquisadora do CNPEM, Daniela Trivella.
“Se uma célula humana fosse do tamanho de um circo, o vírus seria o equivalente a uma mexerica.”
Com as linhas de pesquisa, os cientistas esperam ver e distinguir a interação do vírus em tanto espaço. E com a potência do equipamento será possível enxergar, inclusive, até os pequenos “gominhos da fruta”, estruturas menores que as proteínas do Sars-Cov-2, por exemplo.
Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP).
CNPEM/Sirius/Divulgação
O que é o Sirius?
Principal projeto científico do governo federal, o Sirius é um laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, que atua como uma espécie de “raio X superpotente” que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.
Além do Sirius, há apenas outro laboratório de 4ª geração de luz síncrotron operando no mundo: o MAX-IV, na Suécia.
Para observar as estruturas, os cientistas aceleram os elétrons quase na velocidade da luz, fazendo com que percorram o túnel de 500 metros de comprimento 600 mil vezes por segundo. Depois, os elétrons são desviados para uma das estações de pesquisa, ou linhas de luz, para realizar os experimentos.
Esse desvio é realizado com a ajuda de imãs superpotentes, e eles são responsáveis por gerar a luz síncrotron. Apesar de extremamente brilhante, ela é invisível a olho nu. Segundo os cientistas, o feixe é 30 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo.
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