As histórias por trás de 3 fotos dos incêndios no Pantanal que viralizaram


Autores de imagens compartilhadas de modo massivo nas redes sociais sobre a tragédia no bioma relatam detalhes das fotografias. Foto de onça-pintada no Parque Estadual Encontro das Águas, no Pantanal, viralizou nas redes sociais
Ailton Lara
Os incêndios que atingem o Pantanal têm repercutido em todo o mundo. O pior período de queimadas das últimas décadas do bioma causa preocupação. Nas redes sociais, o assunto tem sido compartilhado inúmeras vezes.
Em meio à maior tragédia recente do bioma, a flora e a fauna da região têm sofrido intensamente.
O fogo já atingiu mais de 2,9 milhões de hectares do Pantanal, segundo o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo). O número representa cerca de 19% do bioma no Brasil, conforme o Instituto SOS Pantanal.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já foram registrados 15,4 mil focos de calor (que costumam representar incêndios) no Pantanal. É o maior número desde que a entidade começou o monitoramento que se tornou referência, no fim da década de 90.
Os animais lutam para sobreviver, enquanto a vegetação é devastada pelas queimadas. Muitos moradores da região enfrentam dificuldades financeiras e de saúde, situação agravada pelo duro cenário da pandemia do coronavírus.
Milhares de pessoas têm compartilhado fotografias que ilustram o atual período enfrentado pelo bioma, localizado nos Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso — há também área na Bolívia e no Paraguai.
As imagens compartilhadas de modo massivo nas redes sociais mostram situações como o avanço do fogo no bioma, animais carbonizados ou severamente machucados e a vegetação devastada pelas queimadas.
Os compartilhamentos das imagens costumam estar acompanhados de mensagens de revolta sobre a situação.
A BBC News Brasil selecionou três fotografias que viralizaram nas redes sociais. Para entender as histórias por trás dessas imagens, que ilustram a tragédia no Pantanal, a reportagem conversou com os autores delas.
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Uma onça-pintada caída
A imagem que abre esta reportagem foi feita pelo guia de turismo Ailton Lara, dono da pousada Jaguar Camp, na rodovia Transpantaneira, via que liga a cidade de Poconé (MT) à região de Porto Jofre, na divisa com Mato Grosso do Sul.
A fotografia, feita na semana passada, mostra uma onça-pintada deitada no Parque Estadual Encontro das Águas, considerado o local com a maior concentração de onças-pintadas do mundo.
Localizado na região de Porto Jofre, em Poconé, o parque está quase completamente tomado pelos incêndios. Até esta sexta-feira (18), segundo o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso, cerca de 92 mil hectares do lugar, de um total de 108 mil, foram destruídos pelo fogo.
Lara conta que navegava pela região do Pantanal, em busca de animais feridos pelo fogo, junto com amigos da Associação Civil de Ecoturismo no Pantanal Norte (Aecopan). “Estávamos atuando como voluntários, para ajudar animais que precisassem de ajuda, nas regiões atingidas pelo fogo”, diz à BBC News Brasil.
Registro de pantaneiro no barco e com incêndios ao fundo foram compartilhados por diversas vezes nas redes sociais
BRUNA OBADOWSKI/A LENTE
Quando se aproximaram do Parque Encontro das Águas, avistaram uma onça-pintada macho. “O animal estava perto da água, mas depois da nossa chegada caminhou por três ou quatro metros e foi para baixo da sombra de uma árvore, à beira do rio. Ficamos por um tempo com o barco desligado ali, sempre mantendo distância da onça, em respeito ao animal.”
Enquanto estavam parados no parque, Lara fotografou o felino. Ele relata que o animal estava com as patas suspensas, porque parecia não conseguir encostá-las no chão. “Normalmente, as onças deixam as patas no solo. Por isso, logo descobrimos que o animal estava com as patas queimadas, por isso não as aproximava do chão”, relata.
Segundo o guia de turismo, a expressão da onça-pintada na imagem que viralizou é de dor. “O animal estava passando por um momento muito doloroso. Ele colocava a cabeça entre as pernas e depois ficava deitado de um jeito incomum. Isso chamou a nossa atenção”, detalha.
Ele relata que as pessoas que estavam no barco não tinham equipamentos para resgatar o animal. Por isso, chamaram os médicos veterinários que atuam de modo voluntário na região. “O problema é que a onça se levantou, depois de algum tempo, saiu dali e adentrou a mata. Infelizmente, não foi possível resgatá-la”, diz.
“O animal caminhou lentamente, enquanto foi embora, e pareceu estar com dor. No dia seguinte, voltamos à mesma região, os veterinários encontraram rastros do felino em meio às cinzas, mas ele não estava mais nas proximidades”, diz Lara.
Desde então, não há notícias do animal. “Espero que essa onça esteja bem agora”, afirma Lara.
Até o momento, foram feitos, ao menos, dois resgates de onças-pintadas afetadas pelo fogo do Pantanal. Há relatos de felinos que foram avistados com problemas nas patas, mas os voluntários não conseguiram resgatá-los.
A imagem feita por Lara ao avistar o felino foi compartilhada de modo intenso nas redes sociais. Há quase 80 mil curtidas em uma das publicações da fotografia no Twitter. “Espero que essa foto da onça-pintada sirva para mobilizar as pessoas a preservarem o meio ambiente e a se preocuparem com a natureza, que é um bem de todos”, diz o guia de turismo.
A destruição no parque de onças-pintadas
Outra imagem que viralizou também foi feita no Parque Estadual Encontro das Águas. Por meio de um drone, o biólogo Gustavo Figueirôa, que também é fotógrafo, registrou a atual situação do lugar.
A fotografia foi feita na tarde de terça-feira (15/09), pouco após Gustavo chegar ao Pantanal para acompanhar a situação do bioma. Na imagem que viralizou, é possível ver o cenário do parque, após ter mais de 85% de sua área destruída pelos incêndios.
“Quando subi o drone para fazer a imagem, foi um choque muito grande. Estive no parque no ano passado e o cenário era diferente, porque estava tudo verde. Era um lugar muito bonito e agora está cinza”, diz à BBC News Brasil.
Ele classifica a situação do parque como desoladora. “Aquele local é o lar de muitos animais, principalmente de muitas onças pintadas… De repente, acabaram todos os recursos dali para as presas das onças. Além dos animais que morreram afetados diretamente pelo fogo, há também os que podem ser afetados indiretamente (pela falta de alimento)”, lamenta.
O biólogo comenta que se sentiu mal após registrar a imagem. “Foi um sentimento estranho, de não acreditar naquilo. Mas naquele momento, pude entender a dimensão do que está acontecendo”, diz.
Figueirôa morou no Pantanal em 2014 e costuma visitar a região anualmente. “Já vi muitas queimadas no Pantanal em anos anteriores, mas nunca tinha visto algo como neste ano. É muito desolador”, declara.
A imagem feita pelo biólogo causou comoção. Em uma das publicações mais populares, a fotografia do biólogo teve mais de 160 mil reações no Facebook — sendo a de tristeza a mais comum.
O pantaneiro e o fogo
A cena de um homem em um barco com incêndios de grandes proporções ao fundo também repercutiu nas redes. O momento foi registrado pela jornalista e fotógrafa Bruna Obadowski, em 5 de setembro.
O homem, conhecido como Tião, trabalha há anos carregando turistas em seu barco, na região do Pantanal. “Ele está praticamente parado há mais de três meses. O Tião está desolado com a atual situação do bioma”, relata Bruna.
A jornalista foi ao Pantanal para colher depoimentos para o site A Lente, no qual trabalha. Na região, conversou com diversas pessoas. Após almoçar em um restaurante, Tião a carregou, junto com outro fotógrafo que a acompanhava, para mostrar a tragédia das queimadas.
“Ele disse que a situação era muito grave e fazia questão de nos levar de barco pelo Rio São Lourenço. Até então, eu não tinha visto a proporção dos incêndios próximos às margens do rio”, relata Bruna.
Imagem que mostra devastação em Pantanal teve mais de 160 mil reações no Facebook nos últimos dias
GUSTAVO FIGUEIRÔA/SOS PANTANAL
A jornalista conta que Tião mostrou as áreas mais atingidas pelo fogo nas margens do rio. “Ele estava desolado, porque o rio, o barco e o turismo são o ganha-pão dele”, diz Bruna, que também ficou desolada com a situação do bioma.
Ela relata que, a princípio, não planejava fotografar Tião. Porém, logo mudou de ideia. “Eu achei os relatos dele bem impactantes. Então, comecei a fazer fotos. À medida em que a gente conversava, eu fazia novos registros”, detalha.
A fotografia de Tião foi compartilhada diversas vezes nas redes sociais. Ela teve mais de 10 mil curtidas em um post no Twitter do cantor Luan Santana, no qual foram publicadas quatro fotos sobre as queimadas no Pantanal. O músico também compartilhou a imagem no Instagram, onde tem mais de 28,8 milhões de seguidores — a rede não permite a visualização de números de curtidas de outros perfis.
Bruna acredita que a fotografia de Tião viralizou porque representa a atual situação do Pantanal. “É uma imagem que mostra como o pantaneiro, que costuma guiar todos, é vítima das queimadas.”
“Essa foto é uma representação do Pantanal em chamas. O Tião é um pantaneiro tradicional, que vive da pesca e turismo. Ele não tem conseguido pescar, porque há poucos peixes. E não há turistas para andar no barco dele”, diz a fotógrafa.

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