Quase 90% das brasileiras entre 15 e 24 anos sentem níveis médios a altos de ansiedade. Uma mulher de máscara é vista em uma estação de metrô em São Paulo durante a pandemia de Covid-19 nesta quarta-feira (29)
Nelson Almeida/AFP
Um estudo global sobre a saúde mental de meninas e mulheres durante a pandemia do novo coronavírus mostrou que quase 90% das brasileiras entre 15 e 24 anos sentem níveis médios a altos de ansiedade.
Realizado pela Ong Plan Internacional, o estudo será divulgado nesta quarta-feira (23) durante a Assembleia da ONU.
“A ansiedade tem a ver com o medo da falta de proteção, medo de alguém da família ficar doente, e do que vem por aí. Além de efeitos colaterais como o acesso à renda. Muitas delas perderam empregos ou tinham empregos informais e foram muito impactadas financeiramente. Isso traz uma ansiedade ainda maior”, explicou à agência RFI Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil.
O estudo ouviu 7 mil garotas de 14 países entre 15 e 24 anos por meio de um questionário online abordando diversos temas para avaliar os efeitos sobre a saúde. No Brasil, o levantamento ouviu 500 meninas e jovens de várias regiões.
Os principais resultados globais da pesquisa mostraram que:
88% das entrevistadas disseram ter níveis altos ou médios de ansiedade por causa da pandemia
62% das meninas disseram que estavam tendo dificuldades por não poderem ir à escola ou à universidade
58% estão sentindo os efeitos negativos de não poder sair de casa normalmente
“Quanto mais vulnerável economicamente e socialmente a classe à qual ela pertence, mais ansiosa ela fica e mais medo tem do futuro”, destacou Betti.
Escola como espaço seguro para meninas
No Brasil, o levantamento mostrou que o impacto psicológico durante a pandemia está relacionado com o distanciamento do universo escolar que, para muitas delas, representa um espaço de proteção.
“No caso do Brasil e da América Latina, não frequentar a escola e não poder sair de casa com frequência foram os impactos negativos mais apontados pelas entrevistadas”, relatou à agência RFI Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil.
“No Brasil, a escola é mais do que o aprendizado, a escola é um espaço seguro, onde a menina pode buscar informação e, às vezes, buscar proteção quando acontece alguma coisa em casa”, explica Betti.
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A diretora executiva lembra que a casa é o local das principais ocorrências de violência contra a mulher no Brasil, cenário que se agravou com o isolamento social.
“Infelizmente, sabemos que mais de 70% dos casos de violência contra as meninas e mulheres acontecem dentro da própria casa. Então, a casa não é o lugar mais seguro para muitas delas. Poder ir à escola e frequentar amigos é uma forma delas buscarem ajuda, quando necessário”, acrescenta.
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Exclusão digital
O estudo também relacionou o aumento da ansiedade com o aumento da exclusão digital durante a pandemia.
“Nas classes D e E, somente 59% têm acesso à internet. Para famílias com apenas 1 salário mínimo, 78% só acessam a internet por meio de um celular. E como uma criança, uma jovem pode estudar por meio do celular? Quando ela tem acesso à internet”, diz Betti.
“Além da saúde, o rompimento com os estudos abala a confiança na projeção sobre o futuro. Por isso falamos muito no estudo de vidas interrompidas e impactadas”, afirma.
Neste contexto, a falta de acesso à informação e de métodos contraceptivos agravaram uma situação já bastante difícil.
“Estamos encontrando muitas jovens e adolescentes grávidas, com gravidez indesejada. E normalmente elas acabam abandonando os estudos. Com isso, a evasão escolar aumenta. Temos uma preocupação muito forte em olhar para essas meninas e jovens e perceber que devemos fazer algo para que elas retornem à vida delas, à escola, e que possam continuar os estudos”, diz a diretora executiva da ONG.
“Temos que perceber que serviços de acessos a métodos contraceptivos e direitos sexuais e reprodutivos têm que ser garantidos independentemente do momento da pandemia. O acesso à saúde básica tem que ser garantido a essas meninas. Temos, como governo, Estado, ver como garantir esses apoios”, afirmou Betti.
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Mulheres são as mais afetadas, segundo ONU
O relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19”, divulgado no final de março pela ONU Mulheres, entidade da Organização das Nações Unidas para igualdade de gênero e empoderamento, mostrou que a pandemia afeta mais as mulheres porque:
70% dos trabalhadores de saúde em todo o mundo são mulheres, fato que as expõe a um maior risco de infecção pelo novo coronavírus;
com o isolamento, os índices de violência doméstica e feminicídio têm aumentado no mundo – como as mulheres estão confinadas com seus agressores e distantes do ciclo social, riscos para elas são cada vez mais elevados;
entre os idosos, há mais mulheres vivendo sozinhas e com baixos rendimentos;
A ONU Mulheres estima que, dentre a população feminina mundial, as trabalhadoras do setor de saúde, as domésticas e as trabalhadoras do setor informal serão as mais afetadas pelos efeitos da pandemia de coronavírus.
mulheres também são maioria em vários setores de empregos informais, como trabalhadores domésticos e cuidadores de idosos;
com a pandemia, mulheres têm de se dividir entre diversas atividades, como as seguintes: emprego fora de casa, trabalhos domésticos, assistência à infância (cuidado com filhos), educação escolar em casa (já que as escolas estão fechadas) e assistência a idosos da família
antes da Covid-19, mulheres desempenhavam três vezes mais trabalhos não remunerados do que os homens; com o isolamento, a estimativa é que este número triplique;
mulheres não estão na esfera de poder de decisão na pandemia: elas são apenas 25% dos parlamentares em todo o mundo e menos de 10% dos chefes de Estado ou de Governo;
e, no setor têxtil, um dos mais afetados da indústria em todo mundo e paralisado por causa do trabalho temporário de lojas, as mulheres são três quartos dos trabalhadores no mundo.
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