SÃO PAULO – A disputa entre fiscalistas e gastadores no interior do governo federal chegou ao ápice na semana passada, em meio a cobranças de compromisso com as contas públicas, feitas pelo ministro Paulo Guedes, que disse que os “fura-teto” poderiam levar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a uma “zona de impeachment”, como aconteceu com Dilma Rousseff (PT).
O episódio provocou uma resposta de Bolsonaro, que, um dia depois, reuniu-se com os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e convocou a imprensa para um breve pronunciamento em defesa ao teto de gastos e à responsabilidade fiscal.
Um dia depois, no entanto, o mandatário já estava participando de inauguração de obra pública do porto de Belém (PA) e, em sua live semanal nas redes sociais, admitiu a discussão sobre “furar” o teto de gastos. A âncora fiscal estabelece que as despesas globais de um ano não podem crescer acima da inflação do ano anterior.
“A ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema?”, disse. “Agora esse mercado tem que dar um tempinho também, né? Um pouquinho de patriotismo não faz mal a eles, né?”, emendou.
No dia seguinte, após a repercussão das falas, Bolsonaro foi às redes sociais criticar a imprensa e dizer que a responsabilidade fiscal e o respeito ao teto de gastos são o “norte” do atual governo. As idas e vindas do presidente, porém, geraram incômodo e reforçaram um ambiente de disputa no Poder Executivo pelo controle da agenda econômica às vésperas do envio da peça orçamentária de 2021.
Este foi um dos assuntos do podcast Frequência Política. programa é uma parceria entre o InfoMoney e a XP Investimentos. Ouça a íntegra pelo player acima.
“Bolsonaro criou uma confusão [com posições contraditórias sobre o teto de gastos]. Mas, na avaliação de muitos parlamentares, o coração do presidente já está ganho pela ala desenvolvimentista”, observa a analista política Júnia Gama, da XP Investimentos.
“Ele está tendo uma popularidade inédita durante seu mandato. A avaliação que se tem é que, realmente, está muito vendido a esse discurso de gastar. Ele viu que isso traz popularidade e está de olho na eleição de 2022. Ao mesmo tempo, tenta se equilibrar com o ministro Paulo Guedes. Ele sabe que precisa desse apoio para ter ao seu lado investidores”, complementa.
Para a especialista, Bolsonaro deverá apresentar movimentos erráticos, em uma tentativa de se equilibrar entre as duas alas, mas mais inclinado à narrativa da expansão das despesas públicas.
Diversos balões de ensaio foram lançados nos últimos dias sobre caminhos para uma expansão das despesas. Há quem defenda que investimentos públicos fiquem de fora do teto de gastos. Outros chegaram a sugerir a prorrogação do estado de calamidade decorrente da pandemia do novo coronavírus para 2021 – o que estenderia a vigência do orçamento de guerra, reduzindo o nível de restrição fiscal.
“Na parte fiscal, o que preocupa não vai ser a forma como as despesas ficarão acima do previsto pelos economistas. Se o ‘puxadinho’ vai ser por decreto de calamidade, orçamento de guerra ou vai ser via permissão do TCU para inscrever e gastar restos a pagar, não é esse o problema. Não é a forma, e sim o resultado”, explica Victor Scalet, economista e estrategista macro da XP.
Na avaliação do economista, caso essa mudança de postura em relação à âncora fiscal se concretize, o mercado poderá experimentar uma mudança significativa nos preços dos ativos e nas curvas de juros. Do ponto de vista político, uma guinada radical é vista como estopim para um possível desembarque de Paulo Guedes, mas o cenário é dado como movimento pouco provável.
“Se soubermos que Bolsonaro claramente decidiu e está agindo para mudar a orientação de política econômica, é mais fácil dizer que Paulo Guedes está fora. O meio do caminho é mais provável, mas não é tão fácil [de projetar]“, avalia Scalet.
“Só vemos essas pequenas mudanças de preços – não são tão pequenas, mas certamente não refletem um cenário completamente deteriorado – porque o mercado coloca probabilidade baixa. Se ficar mais claro, em algum momento, que vai haver uma mudança na orientação de política econômica ou de que esse risco está muito grande ou iminente, vamos ver os preços de ativos (bolsa, câmbio e juros) em níveis muito diferentes do que vemos hoje. Isso costuma gerar reações da política”, complementa.
Na avaliação de Júnia Gama, o chefe da equipe econômica terá que se adaptar ao novo momento do governo. “Não de uma forma explícita apoiando o furo do teto de gastos, mas apoiando medidas que possam flexibilizar de alguma forma o orçamento para que sejam direcionados investimentos”, aponta.
O movimento já tem ocorrido, em alguma medida. Do ponto de vista estrutural, com a retomada das discussões sobre duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) da chamada Agenda Mais Brasil: a PEC Emergencial e a PEC do Pacto Federativo. Mas também com ações pontuais, como a tentativa de desvinculação de recursos empossados em ministérios e de fundos.
De todo modo, as expectativas são de que a disputa entre as duas alas do governo se intensifiquem ao longo das próximas semanas, em meio ao contraste entre a pressão por mais investimentos públicos e as crescentes restrições impostas pelas regras fiscais.
O assunto foi abordado na edição desta semana do podcast Frequência Política. Você pode ouvir a íntegra pelo Spotify, Spreaker, iTunes, Google Podcasts e Castbox ou baixar o episódio clicando aqui.
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