A imensa logística por trás da futura vacina contra Covid-19


Antes de chegarem até a população, vacinas que ainda sequer foram aprovadas já ganharam local de armazenamento: verdadeiras “fazendas de frigoríficas” que garantem temperaturas de até -80 ºC Mulher segura frasco com a inscrição “Vacina Covid-19” em foto do dia 10 de abril de 2020.
Dado Ruvic / Reuters
Longos corredores paralelos flanqueados por colunas de congeladores de quase dois metros de altura, cada um ajustado para -80 ºC: aqui deverá ser armazenada parte das vacinas contra a Covid-19, antes de chegar até a população.
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As enormes instalações, do tamanho de um campo de futebol, pertencem a uma das duas fazendas frigoríficas que a empresa de logística americana UPS está construindo para armazenar com segurança milhões de doses de vacinas anticoronavírus e enviá-las sem demora ao mundo todo.
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As fazendas são parte de um esforço global no qual governos, organizações internacionais, empresas farmacêuticas e de logística liberaram bilhões de dólares para dar início à produção em massa de vacinas que ainda aguardam aprovação, e impulsionar as capacidades da cadeia de abastecimento, garantindo que não sejam apanhadas de surpresa quando as vacinas receberem sinal verde.
“No momento, estamos aproveitando [nossa experiência e know how], investindo e nos preparando para conseguir apoiar a indústria farmacêutica e a batalha contra o coronavírus”, disse à DW Anouk Hesen, chefe da assistência médica da UPS na Holanda.
As instalações, que estão sendo construídas perto dos centros de carga aérea da UPS nos Estados Unidos e na Alemanha, vão abrigar 600 freezers, cada um com capacidade para armazenar 48 mil ampolas. Os aparelhos estão sendo configurados para armazenar as vacinas mais frágeis, inclusive as baseadas em RNA mensageiro (mRNA) para produzir proteínas virais no corpo.
Hesen não revelou se a empresa já conquistou algum cliente para as fazendas frigoríficas, limitando-se a dizer que está em negociações com “empresas farmacêuticas importantes”, sem revelar nomes. As empresas americanas Moderna e Pfizer, e as alemãs BioNTech e Curevac são alguns dos principais nomes que trabalham com vacinas baseadas em mRNA.
A jornada das vacinas
Depois de prontas, as vacinas sairão do laboratório em caixas especializadas, muito bem isoladas, carregadas de gelo seco (dióxido de carbono congelado). As caixas serão levadas às fazendas, onde serão cuidadosamente abertas sobre uma mesa macia, semelhante a uma maca, e armazenadas nos congeladores.
“Não seria possível trabalhar nas fazendas sem o equipamento de proteção pessoal. Portanto, nosso pessoal recebe o equipamento adequado, como luvas e óculos de proteção específicos, para poder manusear os produtos lá dentro”, relata Hesen. “Não é uma temperatura em que seria possível transitar.”
Com base nas instruções ou pedidos dos clientes, as vacinas seriam colocadas de volta em caixas isoladas com gelo seco, capazes de manter a temperatura ideal por até 96 horas. Dependendo do rigor das especificações, a reembalagem ocorrerá numa sala com temperaturas de até -20 ºC ou numa entre 2 a 8 ºC – a faixa de temperatura de armazenamento ideal para a maioria das vacinas – para garantir que as doses não fiquem comprometidas.
As vacinas serão então enviadas por via aérea, a fim de garantir a estabilidade. A UPS afirma ser capaz entregar no prazo de um dia a quase qualquer parte do mundo, graças à proximidade de suas fazendas em Louisville, no estado americano de Kentucky, e na área de Venlo-Roermond, na Holanda, com seus centros de transporte aéreo. A empresa também está instalando unidades de congelamento profundo em locais como Frankfurt e o Reino Unido.
Com as vacinas contra a Covid-19 sendo desenvolvidas a toque de caixa, quase não há dados disponíveis sobre sua fragilidade ou estabilidade. A UPS está em negociações sobre como seria a cadeia de abastecimento com fabricantes de vacinas e autoridades dos EUA, incluindo a equipe da Operação Warp Speed – uma parceria público-privada iniciada pelo governo do presidente Donald Trump para acelerar o desenvolvimento de vacinas.
Alguns especialistas dizem que os primeiros carregamentos de vacinas precisariam ser transportados em condições “atípicas para vacina”, a -20 ºC ou mesmo -80 ºC – um grande desafio para as empresas de frete.
Apoio a testes clínicos
Foto do Governo do Estado de São Pahlo mostra voluntária tomando vacina experimental contra a Covid-19 da farmacêutica chinesa Sinovac, que está sendo testada no Brasil, no dia 21 de julho, na capital paulista.
Handout / Governo do Estado de São Paulo / AFP
Paralelamente, a UPS está adquirindo experiência prática essencial: uma de suas unidades participa da entrega de vacinas contra a Covid-19 para experimentos clínicos, seguindo diretrizes rígidas. A empresa, com sede na cidade americana de Atlanta, Geórgia, também fez parte dos esforços globais, no auge da pandemia, para distribuir grandes volumes de kits de equipamento de proteção pessoal para profissionais de saúde, kits de teste de coronavírus e equipamentos para unidades de terapia intensiva.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), atualmente há cerca de 170 vacinas em desenvolvimento, com 30 delas na fase de testes clínicos. Nem todas precisam ser armazenadas a -80 ºC; as menos frágeis poderiam manter a potência em temperaturas mais altas.
Até mesmo para essas vacinas, a UPS está reservando espaço de armazenamento, como pode ser observado nas fileiras de prateleiras amarelas vazias num corredor com temperatura variando de 2 a 8 ºC, em suas instalações de Roermond.
Hesen não revelou quanto a UPS tem investido em seus esforços contra o coronavírus, mas disse que as fazendas congeladoras fazem parte dos planos da empresa de expandir suas ofertas de saúde, e que espera que a demanda continue, mesmo depois do fim da pandemia.

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