Análise: Auxílio emergencial e apagão no emprego elevam desafios para a retomada

Mais do que mostrar o tamanho do buraco que a economia brasileira se meteu, a queda histórica de 9,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2020, na comparação com os três meses anteriores, aponta os desafios do país para a retomada econômica. Com retração de 1,5% na economia entre janeiro e março, a expectativa é que a recessão técnica  — o que caracteriza o recuo do PIB por dois períodos consecutivos —, causada pelo novo coronavírus seja superada no terceiro e no quatro trimestre deste ano, mas isso não significa que a economia de fato voltou ao ritmo de crescimento.

Para analistas ouvidos pela Jovem Pan, os dados do segundo semestre ainda serão influenciados pelo pagamento do auxílio emergencial, mesmo que em valor menor, e pela subnotificação nos dados do mercado de trabalho, por conta das pessoas que ainda estão em casa e não foram identificadas pelos levantamentos de desemprego no país. “A maior dúvida é sobre a velocidade da economia no ‘novo normal’, como ela vai andar com as próprias pernas quando os estímulos acabarem, e qual o real cenário do desemprego no Brasil”, afirma Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas Investimentos.

O tombo no segundo trimestre — o maior do período desde o início da contagem histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) —, foi principalmente afetado pelos índices econômicos de abril, período considerado como o fundo do poço da economia em meio à pandemia da Covid-19. No trimestre encerrado em julho, o índice do desemprego ficou em 13,3%, atingindo 12,8 milhões de brasileiros. Para Rocha, o número deve ser maior, já que parte dos desempregados não está buscando ocupação em meio à crise.

“Muitos ainda não estão procurando emprego por conta da pandemia e da ajuda do governo. Há também setores que não demitiram por causa dos programas de benefícios, mas que podem demitir quando eles acabarem”, afirma a economista. O isolamento social mais brando do que em outros países, como na Itália e Espanha, é apontado por Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, como um dos fatores para a queda do PIB no segundo trimestre não ter sido tão abrupta quanto o esperado no início da crise. “A quarentena que teve na Europa foi bastante agressiva, e o impacto na economia foi maior. Aqui tivemos uma quarentena moderada. Em São Paulo, nos melhores momentos, não passou de 60%, e no geral era de 50% ou até menos. Nunca chegou em 70%, 80%, que era o ideal. Abril foi muito intenso, mas quando chegou no final do trimestre, o isolamento já tava bem moderado.”

Ernesto Lozardo, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), avalia como positiva as ações na contenção da crise. No entanto, pondera sobre os reflexos deste aumento de gastos no futuro das contas públicas. “Certamente teremos sequelas pela dívida pública, e o teto de gastos deve ser mantido. Mas as políticas deram certo, principalmente com a distribuição de renda aos mais vulneráveis para driblar a crise.”

A reação nos próximos meses à redução do auxílio emergencial, a prorrogação do período para suspensão de contratos, entre outras ações, serão determinantes para entender a força e velocidade da retomada no próximo ano. Lozardo acredita que o pacote de ajuda fará o Brasil crescer ainda neste ano, contrariando as previsões do próprio Ministério da Economia, que espera retração de 4,5% na atividade econômica. “Vamos fechar o ano com possibilidade de crescimento entre 0,2% a 0,5%. O plano emergencial foi um freio muito grande na recessão, e o terceiro trimestre mostrará resultados efetivos”, afirma. Menos otimistas, Marcela e Vale esperam queda do PIB em 2020 de 5,5% e 5,3%, respectivamente. “Se tira esse efeito de renda e as pessoas não conseguem recuperar emprego na velocidade desejada, há uma possibilidade de demanda enfraquecida que impactará diretamente em 2021”, afirma o economista-chefe da MB Associados.

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