Pela primeira vez desde maio, país termina mês com menos de 30 mil mortes. Especialistas ouvidos pelo G1 avaliam, entretanto, que atraso nas notificações e fins de semana em agosto podem influenciar nos números; população desmobilizada também preocupa. Homem de máscara passa por grafite em um muro no Rio de Janeiro que diz ‘fica em casa!’ no dia 2 de setembro.
Pilar Olivares/Reuters
O Brasil teve, em agosto, 28.947 mortes pela Covid-19, mostram dados apurados pelo consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias de Saúde do país. É a primeira vez, desde maio, que o país tem menos de 30 mil óbitos mensais pela infecção. Especialistas alertam, entretanto, que os números não significam o fim do combate à pandemia.
Em julho, o país teve o maior número de mortes por Covid-19 em um único mês: 32.912 vidas perdidas. Desde que o primeiro caso foi confirmado, em 26 de fevereiro, o número de óbitos cresceu a cada mês – com exceção, agora, de agosto.
O dado referente ao mês passado foi calculado subtraindo-se as mortes totais no dia 31 de julho (92.568) do total de mortes até 31 de agosto, que era de 121.515 até as 20h. Os números dos meses anteriores foram determinados por meio da mesma metodologia. (Veja mais sobre a metodologia ao final da reportagem).
Número não sinaliza fim do problema
Para o estatístico Leo Bastos, da Fiocruz, e o físico Domingos Alves, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), a ligeira diminuição nos números ainda sugere uma estabilidade, e não uma queda de fato. A diferença percentual entre julho e agosto é de 12%.
“Para mim, sugere uma estabilidade. Para ter uma redução, teria que ser algo maior. De fato, a gente estava vendo uma queda em alguns lugares [do país], mas não são todos”, avalia.
Bastos lembra, ainda, que o dado tem um viés, por causa da quantidade de fins de semana de agosto – foram cinco (assim como em maio). Nos fins de semana, a quantidade de mortes e de casos registrados tende a diminuir, por causa da menor quantidade de profissionais que atualizam os dados. Ao longo da semana, os registros voltam a aumentar, sinalizando o represamento anterior.
“Nos últimos 3 meses, temos mantido uma média estável no número de mortes. Não está caindo. Ou seja: serem mantidas essas taxas tão altas de óbitos mostra que não está havendo nenhum controle da epidemia. Se o vírus sumir daqui do Brasil, ele vai sumir porque enjoou do Brasil, e não porque alguém fez alguma coisa”, completa Domingos Alves, da USP.
Pessoas andam em meio ao comércio no Centro do Rio de Janeiro no dia 1º de setembro.
Ricardo Moraes/Reuters
O físico afirma, ainda, que a descida vista entre julho e agosto não é sustentável. Ele explica que um bom indicador de uma queda de fato é se a mesma variação for verificada a cada uma ou duas semanas, e não de um mês para o outro.
“Teve uma flutuação para baixo. Agora, se nós formos manter isso semana a semana até o final do ano, com essa taxa de redução de 2% por semana, vamos chegar no final do ano com 300 mil óbitos. Essa queda [de julho para agosto] aconteceu, mas não é sustentável”, afirma Alves.
“As variações que têm sido observadas para baixo nos óbitos brasileiros são variações que podem ser alteradas nas próximas semanas, variando para cima”, frisa Domingos Alves.
Casos de SRAG
O pesquisador Marcelo Gomes, que coordena o InfoGripe, da Fiocruz, lembra que, apesar de ter sido registrada uma queda nos casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em agosto, o número varia bastante entre as regiões brasileiras.
Ele explica que não é possível falar de apenas uma curva de transmissão para o país inteiro. Há, de forma geral, 4 cenários no país (apesar de haver situações diferentes dentro de cada estado, como entre a capitais e o interior):
Estados que têm crescimento nos casos de SRAG;
Estados que começaram a dar sinais de queda nos casos;
Estados que têm mantido a queda nos casos por um período prolongado;
Estados que, depois de passarem por um longo período de queda, chegaram à estabilização dos casos, mas ainda estão em níveis preocupantes.
Os casos de SRAG estão associados à circulação de vírus respiratórios, como o novo coronavírus (Sars-CoV-2). Segundo os dados mais recentes da Fiocruz, de todos os casos de SRAG reportados no Brasil do início do ano até o sábado passado (29 de agosto), quase 98% eram causados pelo Sars-CoV-2. Já entre as mortes pela síndrome, mais de 99% tiveram resultados laboratoriais positivos para o novo coronavírus.
“O problema claramente ainda não se resolveu. Nós ainda estamos com o vírus circulando, o vírus ainda está presente”, destaca o pesquisador da Fiocruz.
A mudança permitiu que casos antigos fossem notificados. Desde a mudança, mais de mil casos da doença foram notificados.
Desmobilização
Gomes descreve a situação do país como “preocupante” do ponto de vista epidemiológico. Ele avalia que houve uma falta de comunicação clara das autoridades à população, o que fez com que as pessoas se desmobilizassem no combate ao vírus.
Além disso, a chegada das estações mais quentes é outro fator que deve contribuir para que a transmissão do vírus volte a aumentar.
“Talvez tenha faltado insistir ou deixar claro para a população que aquela queda que se iniciou em maio não era um indicativo de que o problema já tinha se encerrado. Tudo isso [desmobilização da população, flexibilização de medidas, chegada da estação mais quente] – compete a favor do vírus”, frisa.
“Isso é algo que tem que deixar muito claro para a população: a curva começou a cair porque a gente mudou a nossa atitude: evitamos aglomerações, passamos a usar máscaras, a fazer higienização, a evitar, na medida do possível, transporte público no horário de pico. A gente mudou o nosso comportamento. E, ao mudar o nosso comportamento, afetou a história natural da transmissão, deixou mais difícil”, enfatiza o pesquisador da Fiocruz.
Banhistas lotam a Praia de Ipanema, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro
Wilton Junior/ Estadão Conteúdo
“No momento em que a gente faz o caminho inverso – de retomar reuniões com bastante gente, parar de usar máscara, voltar a frequentar locais com aglomeração – passa a favorecer a transmissão do vírus”, diz.
“É triste. É muito triste. Eu acho que o que mais me entristece é lembrar, lá em março, que o Brasil estava chorando os óbitos da Europa. E hoje a gente está parando de chorar os nossos óbitos. Isso dói. Isso bate fundo”, declara Marcelo Gomes.
Metodologia
O consórcio de veículos de imprensa começou o levantamento conjunto no início de junho. Por isso, os dados mensais de fevereiro a maio são de levantamentos exclusivos do G1. A fonte de ambos os monitoramentos, entretanto, é a mesma: as secretarias estaduais de Saúde.
Outra observação sobre os dados é que, no dia 28 de julho, o Ministério da Saúde mudou a metodologia de identificação dos casos de Covid e passou a permitir que diagnósticos por imagem (tomografia) fossem notificados. Também ampliou as definições de casos clínicos (aqueles identificados apenas na consulta médica) e incluiu mais possibilidades de testes de Covid.
Desde a alteração, mais de mil casos de Covid-19 foram notificados pelas secretarias estaduais de Saúde ao governo federal sob os novos critérios.
Brasil chega a 124 mil mortes por Covid e tem mais de 4 milhões de casos
Compartilhe