Clodoaldo Queiroz diz que é inadmissível que representante da Igreja Católica se valha das redes sociais, com largo alcance, para disseminar ódio e fazer apologia à cultura do estupro. Padre gerou polêmica após comentários sobre aborto de menina de 10 anos
Facebook/Reprodução
O defensor público-geral de Mato Grosso, Clodoaldo Aparecido Gonçalves de Queiroz, emitiu nessa sexta-feira (21) uma nota de repúdio contra as declarações do padre Ramiro José Perotto, pároco da cidade de Carlinda, no Facebook e em uma rádio local, em que disse que a menina de 10 anos que ficou grávida do tio, no Espírito Santos, teria “compactuado com o estupro”.
Para o defensor-público-geral, atribuir culpa à criança pela agressão sexual sofrida, além de constituir postura abominável, sob qualquer aspecto, perpetua pensamento permeado pelo machismo, alimenta a cultura do estupro e viola o dever constitucional, atribuído a toda sociedade, de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
“É dever de todos os cidadãos colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, diz.
Segundo a nota, qualquer ato de cunho sexual envolvendo crianças, e adolescentes menores de 14 anos, é absolutamente vedado por lei e constitui crime. “Tais atos merecem total reprovação, não só da parte das autoridades públicas, como também da sociedade civil, inclusive, dos líderes religiosos”, afirma.
Na avaliação do defensor-geral, é inadmissível que um representante da Igreja Católica, instituição com grande influência na sociedade na qual está inserida, se valha das redes sociais, com largo alcance, para disseminar ódio e fazer apologia à cultura do estupro, transferindo a responsabilidade do fato criminoso para a vítima.
As declarações feitas pelo padre, na análise da Defensoria, são contrárias aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, direitos esses resguardados pela legislação pátria e pelos tratados internacionais.
Comentários
O padre havia compartilhado uma mensagem do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, que lamentou a interrupção da gravidez da menina.
Diversas pessoas comentaram o post do padre, algumas criticando. Uma delas disse que “obrigar uma criança vítima de estupro a seguir com a gravidez era repugnante” e falou em hipocrisia.
Em resposta ao comentário, o padre disse que duvidava que uma criança abusada por vários anos deixaria de comentar o caso. “Aposto, minha cara. Ela compactuou com tudo e agora é menina inocente. Gosta de dar então assuma as consequências”, escreveu.
Mais tarde, ele postou uma mensagem dizendo que iria sair do Facebook. “Você acredita que a menina é inocente? Acredita em Papai Noel também. Seis anos, por quatro anos, e não disse nada. Claro que estava gostando”, afirmou no post antes de excluir a conta da rede social.
Na nota divulgada depois da repercussão o padre disse que assume a responsabilidade pelas postagens e que não quer condenar e nem julgar ninguém.
Estupro e gravidez
A menina de dez anos da cidade de São Mateus, no Espírito Santo, engravidou após ser estuprada pelo tio desde o seis anos de idade. A garota não denunciou porque disse que era ameaçada. O homem suspeito do crime foi preso nesta terça, em Betim (MG). Depois de detido, ele teria confessado “informalmente” o abuso aos policiais que fizeram a prisão.
Após decisão judicial que autorizou o aborto (veja mais no vídeo acima), a criança chegou a ser internada no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), em Vitória, mas a equipe médica do Programa de Atendimento as Vítimas de Violência Sexual (Pavivi) se recusou a realizar o procedimento no sábado (15). Com isso, ela viajou para Pernambuco.
O procedimento de interrupção da gravidez foi feito no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife (veja mais no vídeo abaixo). A menina precisou à capital pernambucana para interromper a gravidez porque, no estado de origem, os médicos do hospital em que ela foi atendida afirmaram que não tinham capacidade técnica para fazer o procedimento.
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