Quando era criança e reclamava de algo, meu pai sempre trazia a história do bode. Ele falava com o leve sotaque nordestino que lhe restava, “Olha… que trago um bode e amarro aqui no meio da sala”. A ideia era que, se colocarmos um bode no meio de nossa sala, seu mau cheiro e presença começará incomodar a toda a família, e ao tirar o bode, sua sala, a mesma de antes, lhe parecerá um paraíso. Muito bem, olhando os dados atuais da economia, acredito que tiramos o bode da sala. Veja, no segundo trimestre (mais especificamente de meados de março a maio), passamos por uma paralisia, tanto da economia real afetando a produção de diversos setores, como a confiança dos agentes diante da tamanha incerteza que estávamos vivendo.
Atualmente, os dados de fato parecem animadores, e não sugerem um cenário tão adverso que eu mesma estimei no início da crise do coronavírus. Ora, ao olharmos indicadores de confiança, como a expectativa para os próximos 6 meses dos empresários industriais ou intenção de investimentos, ambos calculado pela CNI, vemos um retorno ao patamar pré-Covid-19. O que faz sentido com as constantes revisões para cima da expectativa de recessão econômica que observamos na pesquisa Focus calculada pelo Banco Central do Brasil (hoje em -5,28 versus -6,60 em junho).
Não sei exatamente se essa surpresa relativamente positiva se dá por uma capacidade de adaptação da economia brasileira que não imaginava — seja pela digitalização, seja por empenho social em estarmos sob uma nova ótica de produção — ou se nós, brasileiros, passamos a ignorar o problema pandêmico e resolvemos, por necessidade, voltar à vida normal. Por exemplo, após a queda do PIB no segundo trimestre de 2020 de -9,7%, com o nível de atividade regredindo ao patamar observado no segundo trimestre de 2009, os indicadores existentes para o terceiro trimestre de 2020 já sugerem uma forte alta no período.
Porém, independentemente dessa aparente melhora, o que penso é que somente tiramos o bode da sala. O cômodo é o mesmo de antes, talvez até com estragos pela presença do animal por um trimestre inteiro — e olha que ainda não temos garantia que ele não voltará. Não tivemos grandes evoluções estruturais, sobretudo em termos de coordenação política, para que voltemos a crescer de forma consistente. Assim, embora tenhamos tido um salto em termos de digitalização e adaptação econômica que nos impeçam de ter uma recessão da ordem de 10% (como eu imaginava) neste ano, me parece que os obstáculos de crescimento brasileiro são ainda maiores após o bode ter sido amarrado na sala.
*Fernanda Consorte é economista-chefe do banco Ourinvest e colunista da Jovem Pan.
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