Arnold Schwarzenegger é ainda hoje aclamado pela sua carreira em filmes de ação, com destaque especial para os anos 80, quando o clássico Exterminador do Futuro foi lançado. Bem menos conhecida que sua carreira no cinema porém, é sua formação como economista.
Tendo se graduado em 1980, Arnold pouco atuou na área mas, em 1990, no mesmo ano em que Total Recall estreava no cinema, a série Free To Choose (Livres para escolher) também estreava na televisão, contando com Arnold como apresentador.
Inspirada no livro de mesmo nome escrito por Rose e Milton Friedman, a série conta em 10 capítulos (que você pode conferir aqui), uma série de ideias defendidas pelo casal, como o famoso “Imposto de renda negativo”.
A ideia de uma renda básica vinculada ao imposto de renda não chega a ser nova, e nem muito menos nasceu com Friedman. Em 1940, a economista britânica Juliet Williams propôs algo similar: não apenas isentar impostos para a parcela mais pobre da população, como transferir renda diretamente.
Friedman porém, se destacou como um grande difusor de ideias do tipo, uma espécie de Carl Sagan da economia, sendo Free to Choose o seu “Cosmos”.
Na teoria, o imposto de renda negativo substituiria uma série de programas sociais onde o Estado presta um serviço ou entrega algum bem a população mais carente, por um simples cheque. A ideia, claro, é que as pessoas sabem melhor do que governantes aquilo que desejam, e que não faria sentido gastar com burocracia para se prover um serviço, bastava transferir a grana e deixar as pessoas escolherem onde aplicar.
No Brasil, como no restante do mundo, este é um debate ainda em curso. A ideia de uma Renda Básica não é mais tão criticada como antes, o grande problema segue sendo a terceira palavra que acompanha a expressão: Universal.
O debate ocorre em função de uma discussão: devemos ter programas universais, que atendam toda população sem distinção por renda, ou focalizar recursos em um programa para os mais pobres?
Para se ter uma ideia de como a questão ainda está em aberto, Eduardo Suplicy, o ex-senador petista, conhecido por seu “Renda mínima”, tece fervorosos elogios a Friedman em seu livro. Ao mesmo tempo, economistas do seu partido acreditam que a ideia de focalizar políticas é apenas um ponto da agenda “neoliberal” do consenso de Washington, pronta para “desmantelar o Estado”.
Em 2003, por exemplo, enquanto o ministério da Fazenda comandado por Antônio Palocci, e composto por uma série de economistas liberais como Marcos Lisboa, pretendia implementar um projeto similar ao imposto de renda negativo, Maria da Conceição Tavares, uma das principais economistas do partido na época, foi à Folha declarar que a ideia de um programa focalizado partia de “cabeças de planilha” e ia contra o Estado de Bem Estar Social defendido pela legenda.
O fato é que, a despeito dos comentários de Conceição o chamando de “débil mental” (exatamente nestes termos), Lisboa, Paes de Barros e outros membros da equipe econômica lançaram o Bolsa Família.
Desde então, o programa “barato” (que custa míseros 0,5% do PIB e atende 25% da população), se tornou praticamente intocável, e a correlação entre receber renda e manter os filhos na escola ajudou o país a avançar em agendas sociais.
As críticas, como as que o ex-presidente Lula fez ao bolsa escola de FHC como “populismo eleitoreiro”, e a crítica do PSDB ao bolsa família, chamando-o de “bolsa esmola”, se tornaram parte do passado. A prática mostrou que o programa funciona, e mais, que é independente de partidos.
Ainda que inúmeras pessoas acreditem em ideias falsas como a de que o programa estimula casais mais pobres a terem mais filhos, ou que estimula o “não trabalho”, as críticas relevantes se resumem a ausência de uma complementação, ou basicamente: falta dar um porta de saída para essas famílias.
Em um país onde 52,6% da população acima de 25 anos não concluiu o ensino médio (a despeito de o governo brasileiro gastar em proporção ao PIB o mesmo que países com resultados bem melhores), a crítica é razoável, e deve ser encarada de frente.
O que sabemos no momento, porém, em boa parte graças ao choque de uma pandemia, é que a maioria da população brasileira não está inclusa na rede de proteção social do governo (que, novamente, gasta o mesmo que países com resultados melhores).
O fato é que aprendemos, a duras penas, que nosso sistema de proteção social é falho, apesar de caro.
Boa parte dos benefícios se concentram na metade de maior renda da população (e aqui cabe lembrar que metade da população brasileira vive com menos de 1 salário mínimo – portanto, a metade de maior renda não está em situação confortável, e sim “menos pior”).
Essa população mais bem atendida por programas sociais, como a previdência, possui via de regra carteira assinada (algo que 42% da população não possui), e garantias como FGTS, seguro-desemprego, abono salarial etc.
Também no mercado de trabalho, ganham em média R$ 1,8 mil, contra R$ 1,2 mil da renda média de quem não possui carteira assinada, os informais.
É uma diferença elevada, mas não chega a assustar quando comparada a outros fatores. Imagine, por exemplo, que a renda média de quem possui ensino superior está em R$ 3,3 mil. Há, portanto, uma boa parcela da população que está “no meio” e que, ainda assim, ganha pouco diante dos custos de vida do país.
E o que exatamente o Renda Brasil poderia fazer para mudar isso?
Diante desta situação não é difícil perceber que existem inúmeros “Brasis” em uma espécie de funil, onde quanto maior a sua renda, mais bem atendido pelo Estado você será.
Trata-se de uma questão urgente, portanto, reformular os programas sociais brasileiros para que atendam a parcela mais pobre e menos as camadas mais ricas.
Isso, entretanto, é dizer o óbvio. O desafio é como fazer.
A proposta do Renda Brasil parte de um princípio básico: reorganizar os gastos sociais em um novo programa, reduzindo burocracia e aumentando a transparência nos gastos.
Ao invés de criarmos abonos salariais para quem possui carteira assinada, que consome R$20 bilhões por ano (o mesmo que ⅔ do Bolsa Família).
Para chegar aos R$ 300 pretendidos por Bolsonaro, porém, seria necessário achar com abatimentos de imposto de renda, que consomem com R$ 88 bilhões.
Em outras palavras, seria necessário aumentar imposto para a classe média em função dos repasses a parcela mais pobre.
A despeito de o governo ter se limitado a estes pontos, é certo que ainda há uma série de subsídios e reformas que poderiam gerar recursos para o programa (como escrevi neste texto aqui no InfoMoney, citando a reforma administrativa).
Isso, porém, foge a questão central. Porque o Estado brasileiro precisa catar moedas para promover um programa que sabidamente é útil para boa parte da população?
Ainda que seja importante reorganizar programas sociais e outros programas públicos – afinal, gastos públicos deveriam obedecer uma lógica de retorno social e, portanto, aqueles com menor retorno deveriam ser cortados em favor dos que geram maior impacto -, é interessante notar a distinção entre a criação do Bolsa Família lá no início da década passada e o programa atual.
Na última década, entre 2000 e 2010, o país cresceu 29% em termos per capita, contra -6% na década atual. Ficamos mais pobres na média dos últimos 10 anos, o que leva o governo a ter menos recursos.
Sem o boom de commodities como soja, petróleo e minério de ferro que impulsionaram a arrecadação do governo, ele tem de agir agora em função de limitações muito maiores.
O problema é que essas limitações não são passageiras em função da pandemia, por exemplo. O crescimento brasileiro é deficiente e continuará sendo por um bom tempo.
Durante os últimos 25 anos, cerca de ⅔ do nosso crescimento econômico teve origem no aumento populacional. Ou, em outras palavras: mais pessoas trabalhando geral mais riqueza.
No momento atual, este crescimento populacional está minguando (o que motivou a reforma da previdência). Para crescermos, não podemos mais apenas aumentar a quantidade de pessoas, mas produzir de maneira mais eficiente, com a mesma quantidade de pessoas (a tal da produtividade).
Numa conta bastante simples, o crescimento econômico é a soma do aumento da população empregada e da produtividade. Se um deles cai, o outro precisa subir para compensar.
Como é possível, portanto, melhorar os programas sociais sem aumento da população jovem? A única resposta é aumentar a produtividade.
Você pode achar que aumentar a tributação dos mais ricos ajuda na conta mas, apesar de isso ser importante para o país, é apenas um paliativo. Sem elevarmos a riqueza, nos tornaremos pobres e velhos.
Passamos os últimos anos promovendo reformas para impedir que o país quebrasse, sinalizando equilíbrio nas contas públicas (como o teto de gastos e a reforma da previdência), mas isso ainda é insuficiente.
Como melhorar a produtividade brasileira?
A discussão em torno das causas que levam ao aumento de produtividade também não é nada nova. Por décadas, o Brasil apostou que o problema estava no seu baixo nível de poupança e nas elevadas taxas de juros.
Promovemos um programa, o PSI, que por meio do BNDES transferiu R$ 1,2 trilhão em crédito subsidiado para grandes empresas.
Ao mesmo tempo, cortamos impostos em R$ 538 bilhões, baixamos os juros na canetada e criamos facilidades, como uma redução artificial na conta de luz.
Como o resultado dessa política mostrou, não houve aumento de investimentos, mas sim empresários deixando de investir para ganharem com a dívida pública, que crescia na mesma proporção das benesses do Estado.
Investimento e, consequentemente, produtividade, é uma questão que envolve algo simples de entender, porém complexo de executar: incentivos.
Seja na escolha profissional de cada um, que deve decidir qual caminho seguir, se prestará um concurso ou irá para o setor privado, os incentivos são o ponto chave para destravar o potencial do país.
Como um estudo feito nos EUA mostrou, entre os anos 70 e o início dos anos 2000, cerca de 40% do crescimento do país ocorreu em função do ajuste entre regras do emprego público com o privado.
Outros pontos cruciais também podem ser vistos na nossa carga tributária, que é extremamente baixa para a agricultura e elevada para a indústria.
Além de gastos exorbitantes com transporte e energia (em que os impostos chegam a mais da metade do preço dos insumos), a indústria acaba pagando mais impostos por envolver maior quantidade de processos de produção.
Em suma, punimos cadeias longas e premiamos cadeias curtas (com menos fases de produção). O que nos torna cada vez mais dependentes do setor agropecuário.
Há algumas reformas prometidas em ambas as áreas, a administrativa e a tributária são as mais relevantes, mas não são as únicas. Cabe lembrar que marcos regulatórios que melhorem os incentivos para investimentos em infraestrutura também estão no Congresso.
O fato é que, mais do que uma questão política, o Renda Brasil é um alerta de que o Brasil está preso em um dilema: temos questões sociais urgentes para resolver, mas nossos recursos estão cada vez mais escassos.
Cabe ao país, portanto, aprender a conciliar ambas as pautas. Afinal, em um país onde 47% das crianças estão na pobreza, política social também gera riqueza. Resta saber de onde sairão os recursos para investir.
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