Algumas cidades brasileiras podem estar atingindo a imunidade de rebanho, segundo infectologistas. Entretanto, atingir esse patamar tem um custo muito alto, com muitas vidas perdidas. Um homem usando uma máscara passa por um mural de um trabalhador médico no centro da cidade de Manchester, na Inglaterra
Jason Cairnduff/Reuters
Após um levantamento do Imperial College London, que apontou que o Brasil, pela primeira vez na pandemia, teve uma desaceleração na taxa de transmissão da Covid-19, uma discussão veio a tona: estamos atingindo a chamada imunidade de rebanho ou imunidade coletiva?
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Imunidade de rebanho é o que acontece quando muitas pessoas ficam imunes a uma determinada doença, seja porque foram vacinadas ou porque foram contaminadas pelo vírus em si e adquiriram imunidade (leia mais abaixo).
O sarampo, por exemplo, que é uma doença muito contagiosa, precisa ter mais de 90% das pessoas imunizadas para que o vírus pare de circular. Já sobre a Covid-19, os números ainda são incertos. Estudos iniciais apontavam que essa imunidade precisaria ser de 60%. Outros trabalhos dizem que a porcentagem pode ser de 50%, 40% e até menos de 20%.
Além do estudo do índice do Imperial College London, a possibilidade de a imunidade coletiva estar ocorrendo no Brasil vem também dos números de casos que estão caindo em alguns lugares. A média móvel de casos confirmados no dia 25 de agosto teve uma queda de 15% em relação aos casos registrados em 14 dias.
“Em muitos estados houve uma circulação do vírus sem controle, com muitos óbitos. E mesmo com a flexibilização, não está tendo um aumento importante no número de casos. Um exemplo é o Norte. A maioria dos estados tem curvas descendentes. Alguns estados do Nordeste também. É um indicativo de controle da doença”, afirma o infectologista da Fiocruz Julio Croda.
Na terça-feira (25), a Secretaria de Saúde do Maranhão (SES) divulgou um inquérito sorológico que estima que 40% da população do estado foi infectada pelo coronavírus. O número divulgado é 19 vezes maior que o número atual de casos notificados no estado, que chegou a 144.895 infectados na segunda (24).
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Para Croda, a imunidade coletiva pode ser a explicação para o que está acontecendo no Brasil. Entretanto, vale ressaltar que isso não deve ser motivo de comemoração e relaxamento das medidas de prevenção. “Isso não significa que não teremos muitos casos e que não vai morrer muita gente. Vamos diminuir a velocidade, mas muita gente vai ficar doente e muita gente vai morrer.”
Renato Kfouri, presidente do departamento de imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, também acredita que algumas cidades estão perto de atingir a imunidade coletiva. “Essa imunidade está se instalando em cidades como Manaus, São Paulo”. Mas ele alerta que ainda não conhecemos a duração dessa imunidade.
Outro problema para chegar ao número real de casos no Brasil é a falta de teste. O Brasil testa pouco a população e o número de infectados e mortos pode ser muito maior do que o registrado. “Os testes são falhos e devemos ter mais pessoas infectadas”, completa Kfouri.
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E qual o custo dessa imunidade coletiva?
Desde o começo da pandemia no Brasil, mais de 116 mil pessoas morreram e os casos confirmados de Covid-19 passam de 3,6 milhões. A imunidade de rebanho vem junto com todos esses óbitos.
Para Julio Croda, não dá para tratar a imunidade de rebanho como política pública de saúde.
“Nós estamos atingindo essa imunidade coletiva à custa de muitas vidas. Somos o segundo país com mais casos e óbitos [o Brasil está atrás só dos EUA]. Essa imunidade não anula tudo que aconteceu”, enfatiza Croda.
Essa também é a opinião da infectologista do Instituto Emílio Ribas Rosana Richtmann. Atingir a imunidade coletiva naturalmente tem um custo muito alto, com muitas vidas perdidas. “Você pode adquirir essa imunidade com todo mundo doente, infectado naturalmente. Nesse caso, o preço é muito alto, à custa de muitas vidas.”
O infectologista da Fiocruz alerta que não podemos relaxar e que as medidas de prevenção devem continuar, como lavar as mãos regularmente, usar máscaras, manter o distanciamento social. “Só teremos segurança quando tivermos a vacina.”
“O importante é seguir com as medidas de prevenção para ganhar tempo até ter a vacina” – Rosana Richtmann.
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O que é a imunidade de rebanho?
A imunidade de rebanho é o termo usado para se referir à situação em que muitas pessoas adquirem anticorpos ou uma resposta imunológica a uma determinada doença infecciosa. Geralmente, o termo é usado para vacinas. O agente patogênico passa a encontrar menos pessoas sem imunidade e encontra dificuldade em se propagar, ou seja a cadeia de transmissão da enfermidade é interrompida.
“É basicamente fazer alguma barreira imunológica. Bloquear a cadeia de infecção”, explica Rosana Richtmann.
O sarampo, por exemplo, que é uma doença muito contagiosa, precisa ter mais de 90% das pessoas imunizadas para que o vírus pare de circular. Já sobre a Covid-19, os primeiros estudos mostravam que essa imunidade precisa ser de 60%. Outros trabalham com a porcentagem de 50%, 40% e até menos de 20%.
Existem duas maneiras de atingir essa imunidade: a vacina, que no caso da Covid-19 não está disponível, ou quando a epidemia sai de controle e contagia muita gente. No segundo caso, mais e mais pessoas vão se contaminando, até que se atinge a imunidade coletiva, porque são tantas pessoas contaminadas que o vírus “não acha” mais ninguém para infectar.
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