José Maria Trindade: Como a tecnologia contra a corrupção ajudou a pegar Witzel

A grande novidade que pegou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e seus secretários, prefeitos e outras seis investigações é a inteligência artificial. O ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário, montou um sistema de monitoramento em tempo real. É a corrupção sendo acompanhada ao vivo. O sistema é complexo e atualizado constantemente, ou seja, o próprio programa aprende com irregularidades detectadas. Onde entra dinheiro federal, a CGU tem competência para acompanhar. Em cada ministério, um representante especializado foi implantado para acompanhar atos suspeitos. O que comanda mesmo o sistema é o programa de gerenciamento. Foi assim que o ministro Rosário entregou de bandeja o governador, secretários, vice-governador (agora em exercício) e presidente da Assembleia no Rio. O caminho do dinheiro foi de tal forma traçado que toda a malha do roubo no estado já estava desenhado. A casa caiu!

Alertas são disparados quando atos estranhos acontecem. Primeiro, as compras e volumes. Se a compra é maior do que o estado ou município demanda, o sinal é aceso. O fornecedor, se não é tradicional ou está em endereço inexistente: aviso na tela. Preços acima dos praticados pelo mercado e repetição de compras com mesmos fornecedores e concorrentes, demora no prazo de entrega ou a falta da confirmação da entrega, tudo gera o alarme. No caso do Rio de Janeiro, alertas foram para os mesmos grupos dominando os contratos e ligações entre eles. Aí entra o técnico humano que faz a apuração detalhada e já entrega para o Ministério Público e polícia dados precisos com indicações certas de “irregularidades”, que preferimos aqui chamar de roubo de dinheiro público, sem eufemismo.

Foi assim que as operações realizadas já tinham destino certo e pegaram os figurões com a mão na massa. Os processos antigos eram feitos muito tempo depois que o governante deixava o cargo. Agora não, as ações estão sendo imediatas, sem tempo para os ladrões de recursos suados colhidos de trabalhadores gastarem. Fica mais fácil: sem tempo para gastar o dinheiro ou apagar as provas, os agentes podem trabalhar com mais segurança e seguindo as marcas atuais e não pegadas antigas. Não é novidade o trabalho de esquentamento de dinheiro, chamado juridicamente de “branqueamento de capital”. O escritório de advogado se transformou no doleiro legal para entrada de produto de roubo. A OAB tem que decidir sobre isso, o advogado não está acima da lei ou do bem e do mal. Dinheiro roubado é sempre dinheiro roubado, menos para o advogado que não é obrigado a justificar a entrada de altas somas. Casos semelhantes já acabaram na cadeia. Duda Mendonça e João Santana foram presos por receberem dinheiro público roubado, em caixa dois e com recibo, dos investigados do Mensalão e da Lava Jato. É a mesma trajetória do dinheiro que vai para os escritórios dos advogados dos bandidos endinheirados. Todos eles.

Houve um tempo em que nós recebíamos relatos sobre corrupção e era a base para matérias importantes com denúncias graves. Depois, o tempo das gravações telefônicas. As fitas cassete reinavam e eram preciosidades nas mãos de jornalistas. A situação evoluiu para os CDs e depois imagens. Durante a CPI dos Correios pudemos ver a imagem deprimente da corrupção. Maurício Marinho, então diretor dos Correios indicado pelo PTB, recebia o bolo de dinheiro e guardava rapidamente a corrupção. Naquele momento, avaliei que no futuro veríamos corrupção ao vivo. Hoje já estamos chegando lá. A CGU acompanha em tempo real os indícios de corrupção e pode apostar, já estamos chegando ao momento de assistir uma live com roubo de dinheiro público exibido pela internet. Uma certeza que carrego é a de que ela não será extinta, nunca.

*José Maria Trindade é repórter e comentarista de política da Jovem Pan.

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