Indígenas também tiveram mais chance, por causa da pobreza, de serem infectados. Estudo aponta que, em maio e junho, apenas um em cada dez casos da doença no país foi oficialmente notificado. Conclusões foram publicadas na ‘The Lancet’, uma das revistas científicas mais importantes do mundo. Foto mostra casal visitando o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, no dia 15 de agosto, dia de reabertura das atrações turísticas na cidade.
Fabio Motta/AFP
Um estudo conduzido pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) aponta que a população mais pobre do Brasil tem duas vezes mais chances de ter sido infectada pela Covid-19 do que a população mais rica. Além disso, os indígenas, por causa da pobreza, também têm mais chances de serem infectados. As conclusões foram publicadas nesta quarta-feira (23) na revista científica “The Lancet”, uma das mais importantes do mundo.
Os cientistas também apontam que, com base nos dados coletados em maio e em junho, apenas um a cada dez casos da doença no país foi oficialmente notificado.
“Os 20% mais pobres da população tiveram o dobro do risco [de contaminação] que os 20% mais ricos – mesmo a pandemia tendo chegado ao Brasil pelos aeroportos, por pessoas de maior nível socioeconômico”, avalia o epidemiologista Pedro Hallal, reitor da UFPel e primeiro autor do estudo.
“Quando começa a espalhar na comunidade, atinge os níveis mais pobres da população”, diz Hallal.
A pesquisa é o resultado das duas primeiras análises feitas na EpiCovid, o maior estudo epidemiológico sobre o novo coronavírus (Sars-CoV-2) no país, liderado pelos cientistas da UFPel.
O objetivo do estudo é analisar a proporção de pessoas com anticorpos para a Covid-19 no Brasil. Para isso, em um intervalo de duas semanas, aproximadamente, os pesquisadores fizeram testes sorológicos em cerca de 30 mil pessoas em 133 cidades do país, em todos os estados. Na primeira etapa, foram testados 25.025 participantes, entre os dias 14 e 21 de maio. Na segunda, outros 31.165, entre os dias 4 e 7 de junho.
“Nesse momento, que reflete de maio a junho, existiu uma concentração muito grande no Norte. Algumas cidades, como Breves (PA) e Boa Vista, tiveram um percentual altíssimo da população infectada – chegava a 25%”, aponta Hallal.
Ao todo, segundo os cientistas, foram identificadas 11 cidades ao longo do Rio Amazonas em que cerca de 25% das pessoas tiveram resultados positivos para anticorpos contra o Sars-CoV-2.
Membros de comunidades ribeirinhas abastecem embarcação antes de ir embora em Breves, no Pará, a sudoeste da Ilha de Marajó.
Tarso Sarraf/AFP
População indígena
Os pesquisadores também perceberam que as populações indígenas tinham mais chances de terem sido infectadas pela Covid-19: os anticorpos para a Covid-19 eram quatro vezes mais frequentes entre os indígenas do que entre a população branca.
A maior prevalência, entretanto, também foi associada à pobreza. Os cientistas acharam improvável, por exemplo, que essas pessoas tivessem alguma predisposição genética que facilitasse a infecção.
Indígenas Huitoto posam para foto usando máscaras protetoras contra a Covid-19 em Letícia, no departamento colombiano do Amazonas, no dia 20 de maio.
Tatiana de Nevó / AFP
“Nossas análises sugerem que o risco excessivo de indivíduos indígenas é amplamente explicado pela região geográfica, tamanho da família e status socioeconômico”, afirmam no estudo.
“Os resultados não negam a conclusão de que os indígenas estão em maior risco do que as pessoas de outras etnias – se não por razões genéticas, então por causa da exposição dos povos indígenas à pobreza e às condições de vida superlotadas” , aponta o estudo.
“É mais provável que seja uma questão social e cultural – que se devam a condições de vida, de moradia, às relações culturais, ao espírito coletivo, a formas de aglomerações que são características”, avalia Hallal.
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No estudo, os pesquisadores apontam, ainda, que o crescimento de doenças metabólicas ou cardiovasculares entre as populações indígenas deve colocá-las em maior risco de morte devido à Covid-19.
Subnotificação
Movimentação de funcionários e pequenos grupos familiares no sepultamento de se seus entes no Cemitério da Vila Formosa, na zona leste da cidade de São Paulo, que abriu novas covas para vítimas da Covid-19, na manhã de 22 de agosto de 2020.
ANTONIO MOLINA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Segundo os pesquisadores, a comparação dos números encontrados com os casos oficialmente relatados à época dos testes indica que apenas uma em cada dez infecções foi oficialmente notificada. Entre a primeira e a segunda análises, a prevalência (frequência em que os anticorpos eram encontrados nas pessoas) aumentou mais de 50%.
Associado a isso, a estimativa da taxa de letalidade também foi menor do que a oficial. (A taxa de letalidade é calculada dividindo-se o número de mortes pelo número de infectados; logo, se o número de casos é maior do que o que se imaginava, mas o número de mortes continua o mesmo, a taxa de letalidade cai).
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No fim de agosto, os pesquisadores concluíram a quarta análise da EpiCovid. Hallal avalia que, entre os primeiros resultados e os mais recentes, a principal diferença é que houve queda na proporção de pessoas com anticorpos, “significando que a pandemia está em ritmo de desaceleração, o que é uma boa notícia”, afirma.
Ele lembra, entretanto, que, a partir dessa etapa, é provável que “o sumiço dos anticorpos” tenha maior influência nos resultados. Isso porque estudos apontam que os anticorpos tendem a desaparecer depois de um tempo; se uma pessoa desenvolve anticorpos, eles desaparecem e só depois ela é testada, eles acabam não sendo detectados nos testes, por exemplo.
“Nas primeiras fases, era tão perto [do início da pandemia] que, basicamente, quem tinha infecção foi detectado – não havia uma infecção antiquíssima que poderia não ter sido captada”, afirma Hallal.
A quinta etapa da pesquisa, e penúltima, deve começar na primeira quinzena de outubro; a previsão é que a sexta e última fase comece na primeira quinzena de novembro.
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