A elaboração de um dossiê sobre 579 servidores federais e estaduais identificados como “antifascistas” desgastou a imagem do ministro da Justiça, André Mendonça, entre integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), que viram no episódio um possível uso do aparato do governo para perseguir opositores. Apontado como um dos favoritos para a vaga na Corte que será aberta em novembro, com a aposentadoria de Celso de Mello, Mendonça passou os últimos dias em contato com os integrantes para dar a sua versão. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, nas conversas reservadas, por telefone, o ministro se colocou à disposição para esclarecer os fatos à Corte e se comprometeu a apurar internamente se houve irregularidades na atuação da pasta. Além de abrir uma sindicância, ele demitiu o diretor de inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), coronel Gilson Libório de Oliveira Mendes.
Cabe ao presidente da República indicar o nome para uma cadeira no STF, que passa por sabatina no Senado e precisa ser aprovado pela Casa. Na prática, o Supremo não participa oficialmente do processo de definição do futuro ministro, mas nos bastidores o aval dos colegas desempenha um papel crucial na definição de um nome.
Mendonça terá seus atos no ministério examinados pelo STF na quarta-feira. Na ocasião, o plenário vai analisar uma ação que contesta a produção de relatório sobre opositores do governo Jair Bolsonaro. O monitoramento, revelado pelo portal UOL no fim de julho, foi confirmado pelo ministro em audiência com parlamentares no último dia 7. Na ação, o partido Rede Sustentabilidade pede ao Supremo a abertura imediata de inquérito para investigar o caso e verificar eventual crime cometido por parte de Mendonça e seus subordinados. O partido também quer que a pasta informe o conteúdo de inteligência produzido em 2019 e 2020 e se abstenha de produzir relatórios sobre integrantes do movimento antifascismo.
Relatora da ação, a ministra Cármen Lúcia apontou “gravidade” no caso e cobrou explicações de Mendonça. Em resposta ao STF, o Ministério da Justiça informou inicialmente que “não seria menos catastrófico” abrir ao Poder Judiciário o acesso a dados da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), responsável pela produção do dossiê. O ministério chegou a pedir “parcimônia” e “sensibilidade” do STF, para que deixasse o Congresso Nacional fazer a análise sobre o tema, evitando “invadir esfera de competência do Poder Legislativo”.
O tom usado na resposta foi criticado reservadamente por integrantes do STF, que viram nas declarações uma recusa a prestar as devidas explicações sobre o caso – e até uma ameaça de não entregar o dossiê para o tribunal, se fosse necessário.
Na quarta-feira passada, Mendonça calibrou o discurso e, em uma segunda manifestação endereçada ao Supremo, disse que cumpriria “de imediato” uma eventual determinação para apresentar o documento. “A atitude do ministro perante a Corte é um sinalizador de como ele enxerga o equilíbrio entre os Poderes”, avaliou o professor Davi Tangerino, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Eventual leitura de que, na condição de ministro da Justiça, desprestigiou o Supremo acarretará inevitável desgaste à sua indicação. Afinal, parece ser requisito mínimo que o indicado demonstre profundo respeito à função que postula.”
*Com Estadão Conteúdo
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