Piora das condições ambientais em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso tem a ver com Pantanal, bioma que vive a pior seca e o pior período de queimadas desde fim dos anos 90. Fogo na região do Nabileque, em Corumbá, Pantanal de MS
Corpo de Bombeiros/Divulgação
Uma nuvem de fumaça encobriu cidades do Centro-Oeste na manhã desta quinta-feira (13/08). O principal motivo é a atual situação do Pantanal. O bioma, localizado em Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, enfrenta o maior volume de queimadas nas últimas décadas.
A piora das condições ambientais, que costuma vir acompanhada de aumento de problemas respiratórios e de saúde na população, agora se soma também à pandemia de coronavírus.
A região Centro-Oeste foi uma das últimas a serem duramente afetadas pela Covid-19 no Brasil. Em julho, a nova doença cresceu em diversos estados da região que antes figuravam entre os menos atingidos pelo novo coronavírus, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Hoje, a região é a segunda com maior incidência de casos a cada 100 mil habitantes — 2.044,1 —, atrás apenas do Norte (2.517,7 casos a cada 100 mil habitantes).
Incêndio
Em Cuiabá (MT), um incêndio de grandes proporções, nas margens da Rodovia Helder Cândia, conhecida como Estrada da Guia, piorou a situação.
As chamas começaram na tarde de quarta-feira (12/08), em uma área de Cerrado (outro bioma regional), e logo se alastraram.
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Os bombeiros conseguiram conter o fogo somente na manhã do dia seguinte, justamente quando as chamas, associadas aos efeitos das queimadas no Pantanal, levaram fuligem e fumaça para a capital mato-grossense e regiões vizinhas.
Em toda a região Centro-Oeste, o número de focos de incêndio detectados neste ano é 20% superior ao registrado entre janeiro e 12 de agosto de 2019.
Pantanal: pior seca e maior número de incêndios
Foto mostra fumaça em meio a vegetação do Pantanal em Poconé, Mato Grosso, no dia 1º de agosto.
Rogério Florentino/AFP
A atual situação do Pantanal, maior área úmida continental do planeta, preocupa ambientalistas.
O bioma enfrenta a sua maior seca dos últimos 47 anos. Especialistas apontam que a quantidade de chuva no primeiro semestre foi 40% abaixo do esperado.
O Pantanal enfrenta ainda o pior período de queimadas desde o fim dos anos 90 — quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desenvolveu a plataforma que se tornou referência para monitorar focos de calor no país.
Segundo o Inpe, entre o início de janeiro e o dia 12 de agosto deste ano, houve alta de 242% no número de focos de incêndio no Pantanal em comparação com o mesmo período do ano anterior.
De janeiro a julho deste ano, foram registrados 4.218 focos de incêndio em todo o Pantanal. Nos mesmos meses em 2019, foram 1.475 registros.
“Nessa época do ano, a região Centro-Oeste passa pelo período mais seco. Isso faz com que as queimadas se tornem mais presentes e a fumaça fique mais evidente”, diz o gerente do programa Cerrado-Pantanal do WWF-Brasil, Júlio Sampaio.
“É comum, nessas cidades (próximas ao Pantanal), acordar pela manhã e parecer que há névoa. Na verdade, é fumaça proveniente das queimadas no Pantanal. Essa fumaça, associada com a fuligem e o tempo seco, faz com que áreas fiquem completamente cinzas, como aconteceu em Cuiabá hoje (13/08)”, declara.
Ele ressalta que cidades como Corumbá e Campo Grande, ambas em Mato Grosso do Sul, e Cuiabá e Poconé, em Mato Grosso, costumam ser as mais afetadas pela fumaça vinda do Pantanal.
De acordo com dados do Inpe, Corumbá foi o município brasileiro que registrou mais focos de incêndio neste ano: 3.918. Em segundo lugar, vem Apuí (AM), com 1.725 focos.
“Tudo isso é proveniente da intensificação de incêndios florestais, que tem várias causas, principalmente o uso indiscriminado do fogo em um período muito seco, sem chuva”, diz.
Especialistas afirmam que a fiscalização no Pantanal reduziu no último ano, após sucateamento de órgãos fiscalizadores como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), em meio a ações do governo federal.
A situação do fogo em outros biomas varia — no Cerrado, que também inclui os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o nível de focos está semelhante ao do ano passado, diz Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Já na Amazônia, o cenário é também bastante preocupante, com dados já mostrando que o número de focos em junho e julho deste ano foram maiores do que no período anterior.
Efeitos para a saúde
Júlio Sampaio, do WWF-Brasil, lembra que a seca é mais comum neste período, mas se associa neste ano a um recorde de queimadas e à pior pandemia da história recente.
“Os atendimentos por problemas respiratórios causados pela fumaça e pela fuligem sempre sobrecarregam o sistema de saúde. Isso acaba tirando o espaço ou a dedicação de energia para os cuidados com a covid-19. Por isso, é fundamental que haja gestão e fiscalização em relação aos incêndios florestais, para que eles não ocorram, principalmente, durante este período”, afirma à BBC News Brasil.
Dados das secretarias de saúde estaduais apontam que Mato Grosso teve 70,6 mil casos de covid-19 e 2.245 mortes. Já em Mato Grosso do Sul foram confirmados 34,5 mil casos e 570 mortes pelo novo coronavírus.
Conforme a Secretaria Estadual de Saúde, em Mato Grosso do Sul há ocupação de 75,6% dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) destinados à covid-19. Já em Mato Grosso, segundo a pasta estadual, a atual ocupação de leitos de UTI é de 72,3%. Em julho, os dois estados chegaram a se aproximar do colapso na saúde pública — a situação, segundo autoridades locais, amenizou principalmente após a abertura de novos leitos.
Pneumologista baseada em Campo Grande (MS), Eliana Setti explica que doenças respiratórias são típicas desta época do ano, mas a chegada da covid-19 pode levar a uma maior demanda do sistema de saúde e até mesmo à confusão de diagnósticos.
“O ar está muito seco e, junto com o vento, isso irrita as vias aéreas. Os efeitos deletérios acontecem mais para os extremos de idades: crianças e idosos”, explica.
“Além da possível semelhança de quadros, é preciso atentar para a prevenção tanto da covid quando para as doenças respiratórias (típicas)”, diz, destacando a importância do uso de máscaras e distanciamento social para a primeira e, no segundo caso, a hidratação.
*Colaboraram Mariana Alvim e João Fellet, da BBC News Brasil em São Paulo
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