Obras públicas paralisadas trazem enorme custo ao Brasil

Há um enorme estoque de obras paralisadas no Brasil. Segundo o Tribunal da Contas da União, elas já somam mais de 14 mil, em valores que excedem a casa dos R$ 200 bilhões. Um levantamento feito pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção indica que apenas a interrupção das obras financiadas ou geridas pela União e suas entidades já significa um prejuízo direto de R$ 76,7 bilhões. Além disso, a sua descontinuidade produz um impacto agregado relevante na economia, com potencial de bloquear, no curto prazo, o equivalente a R$ 115,1 bilhões, e um ganho duradouro no longo prazo da ordem de R$ 42,4 bilhões por ano (Claudio Frischtak. CBIC, Impacto Econômico e Social da Paralisação das Obras Públicas, Brasília: 2018). Estes números compõem um triste diagnóstico da falta de capacidade institucional dos governos em viabilizar a conclusão desses empreendimentos. Há, é verdade, esforços institucionais recentes em prol da retomada destas obras. Um exemplo está no Destrava – Programa Integrado para a Retomada de Obras, criado pelo Comitê Executivo Nacional para Apoio à Solução para as Obras Paralisadas. Mas é preciso ir além e discutir as causas destas interrupções. Infelizmente, não há estudos empíricos ou dados disponíveis na atualidade para a identificação dos reais motivos que impediram a continuidade dessas obras. Sem isso, estaremos expostos a novos contingentes de esqueletos de obra públicas no futuro.

Mesmo sem informações mais precisas sobre suas causas, é bastante provável que problemas orçamentários e de planejamento das obras estejam na origem da interrupção de sua execução. É comum o diagnóstico sobre a baixa qualidade técnica dos projetos, o que acaba gerando posteriormente a necessidade de alteração dos contratos de execução de obra. Tais alterações muitas vezes esbarram em restrições jurídicas à alterabilidade dos contratos públicos, atualmente um dos temas mais sensíveis e indigestos aos órgãos de controle. Sem condições de prosseguir por falha no projeto e sem que os contratos de obra possam ser modificados para refletir as atualizações de projeto, a obra para. Os custos e a burocracia demandados para a rescisão do contrato e para a nova contratação à conclusão da obra acabam descontinuando a sua execução. Surge aí uma obra paralisada. Este quadro revela a urgente necessidade em se discutir aperfeiçoamentos não apenas no modelo de licitação para a contratação de projetos, como a superação da visão excessivamente restritiva dos órgãos de controle sobre a alterabilidade dos contratos públicos de obra.

A preocupação com projetos mal elaborados já originou a criação de um regime legal especial de contratação, que possibilitou integrar a execução do projeto e da obra no mesmo contrato. Trata-se do regime de contratação integrada, instituído pelo Regime Diferenciado de Contratações (RDC). Ao se integrarem no mesmo contrato os escopos da execução do projeto e da obra, gera-se um poderoso incentivo para que o contratado elabore um projeto bem feito, uma vez que os seus defeitos necessariamente significarão maiores custos ao longo da execução da obra. Esse alinhamento de interesses contribui para economizar recursos públicos e privados na execução da obra e do projeto. Mas a contratação integrada teve até aqui um cabimento restrito, reservado que foi a certo tipo de obra, de maior vulto e maior complexidade técnica de execução. Outra solução para mitigar o problema dos projetos falhos seria aperfeiçoar o modelo de licitação para a contratação de projetos, deslocando-se a preocupação que hoje repousa quase que exclusivamente sobre o preço para a análise técnica das ofertas e dos ofertantes. Afinal, não se licita a contratação de projeto como se licita a compra de caneta. Naquela, a avaliação técnica deve ser preponderante. Infelizmente, o projeto da nova lei geral de licitações que hoje tramita no Congresso Nacional não deu a devida atenção a este ponto.

É necessário também mudar a cultura do controle. Contratos podem e devem ser alterados, mesmo em prejuízo das premissas da licitação, se essa for a solução mais eficiente. A rejeição que os órgãos de controle têm a essas alterações se fundamenta no receio de que a mudança contratual desorganize a licitação e, com isso, comprometa a isonomia do processo. Mas esse é um tradeoff que sempre existirá nas escolhas sobre os rumos que uma contratação imperfeita deve tomar. Toda e qualquer alteração contratual mexe nas premissas da licitação. A questão está em verificar se há justificativa técnica relevante para essa adaptação. Havendo, não se deve impedi-la, sob pena de se prestigiar a solução mais onerosa à sociedade.

Em suma: o drama das obras públicas paralisadas tem um enorme custo para a sociedade. Esforços para a sua retomada são urgentes. Os efeitos diretos e indiretos disso na economia serão relevantíssimos, especialmente num contexto de crise como o presente. Mas não devemos prescindir da investigação das suas causas. Sem que elas sejam identificadas, profundamente discutidas e analisadas, continuaremos expostos ao risco de novos esqueletos de obras públicas no futuro.

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