O envio de um Orçamento com espaço zero no teto de gastos antes mesmo de qualquer previsão de recursos para o Renda Brasil, novo programa social que está nos planos do governo, despertou desconfiança entre economistas.
A avaliação é que a proposta de gastos para 2021 está irrealista e que o risco de descumprimento da regra constitucional que limita o avanço das despesas à inflação é elevado.
O governo encaminhou na segunda-feira, 31, a Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021 com as despesas cravadas no limite do teto, que é de R$ 1,486 trilhão.
As chamadas despesas discricionárias, que não são obrigatórias e podem ser remanejadas, como investimentos e custeio da administração pública, devem ficar em R$ 92 bilhões, patamar considerado baixo pelos economistas.
A proposta eleva o valor destinado ao Bolsa Família no ano que vem a R$ 34,9 bilhões. A razão, porém, é a expectativa de aumento no número de famílias em situação de pobreza de acordo com os critérios atuais – ou seja, ainda não contabiliza a ampliação de alcance e valor almejada pelo presidente Jair Bolsonaro e para a qual é preciso injetar mais dinheiro.
“Ou é o Renda Brasil ou é o teto de gastos na forma atual. As duas coisas não vai ter”, diz o economista Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas. Para ele, não há espaço para conseguir R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões extras para colocar de pé um programa social no formato desejado pelo presidente, ainda mais depois de Bolsonaro ter vetado a extinção de benefícios já existentes, como o abono salarial – que custa R$ 20 bilhões ao ano e é considerado ineficiente pela equipe econômica.
Para Tinoco, a dificuldade persistirá porque, mesmo com a promessa de envio da reforma do RH do serviço público, a proposta “não é uma super bala de prata”. Por não atingir servidores que já estão na carreira, ela “não tem impacto fiscal grande no curto prazo”.
Espaço menor
O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, calcula que os gastos obrigatórios com benefícios sociais estão subestimados entre R$ 10 bilhões e R$ 11 bilhões. Ou seja, na prática o governo tem, pelos cálculos da IFI, um espaço ainda menor para gastar.
“E, mesmo assim, a despesa discricionária está muito baixa. O Orçamento enviado tem um quê de irrealismo, não está refletindo o que vai ser a política fiscal”, disse Salto. “Fica parecendo que é outro país, que o teto vai ser cumprido. Não é muito útil isso para o debate, está só tapando o sol com a peneira.”
Para o diretor executivo da IFI, o risco de descumprimento é alto, já que os gatilhos de contenção de despesas previstos no teto e que o governo quer acionar antecipadamente podem não ser suficientes para abrir espaço ao Renda Brasil.
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Nesse cenário, anunciar um Orçamento como o apresentado, diz Salto, é passar uma “mensagem errada”. “O teto ficou apertado mais cedo, não pode ser draconiano. Não adianta ficar preso a uma coisa por ideologia. Não é pecado mortal aperfeiçoar uma regra fiscal. O que não pode é dar cavalo de pau”, afirma.
Na área econômica, técnicos reconhecem reservadamente que as dificuldades para cumprir o teto estão cada vez mais fortes. Diante de uma defesa por mais despesas até por parte de Bolsonaro, um grupo avalia que insistir no teto no formato atual pode levar a equipe econômica a um isolamento na discussão do futuro fiscal do País.
O economista Fabio Terra, professor da Universidade Federal do ABC, alerta que é difícil acreditar que, no primeiro ano após o surgimento da pandemia, o governo não precisará aumentar despesas para apoiar famílias e empresas na retomada. “A proposta de Orçamento está irrealista”, avalia.
Crítico do teto, Terra defende uma reforma na regra mantendo o “espírito” de disciplina fiscal, mas com maior flexibilidade que o limite atual para que a norma seja mais funcional e exequível.
Ele reconhece que há um risco de uso político da flexibilização do teto, sobretudo num ambiente de pressão por mais gastos já de olho nas eleições de 2022. Porém, o professor alerta que mantê-la também pode trazer custos.
“A penúria é tão grande que, se insistirmos em voltar no ano que vem ao patamar de gastos antes da pandemia, o Brasil pode sofrer um choque recessivo em 2021”, diz.
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