País que pune Dallagnol a pedido de Renan não é sério

Relembrando a goleada sofrida pelo Brasil contra a Alemanha, em 2014, de 7 a 1, assistimos nesta semana a um placar igualmente desigual de nove votos a um, quando o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu aplicar a pena de censura ao procurador da República e também ex-coordenador da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, por ter defendido o combate à corrupção e criticado o senador Renan Calheiros, do MDB, nas redes sociais. Absoluta e completa inversão de valores, em que se questiona a seriedade de um país que condena o inocente e inocenta o culpado. As declarações de Deltan, na verdade, aconteceram em janeiro de 2019, quando ele tuitou um comentário: “Se Renan for presidente do Senado, dificilmente veremos reforma contra corrupção aprovada. Tem contra si várias investigações por corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos senadores podem votar nele escondido, mas não terão coragem de votar na luz do dia”. Essa fala levou Calheiros a mover um processo contra o ex-procurador. Dos dez votos computados, apenas o conselheiro Silvio Amorim foi voto contrário à acusação de Renan. Amorim, diante da acusação centrada na falta de liberdade de expressão, deixou claro que o buraco é bem mais fundo, uma vez que se torna um risco à democracia, abrindo portas para a disputa de espaços entre políticos de condutas opostas, com benefícios claros a quem deveria ocupar a cadeira de réu.

Embora nós, brasileiros, sejamos conhecidos como portadores de memória curta, vale lembrar algumas passagens do senador Renan Calheiros pelo cenário político do país. Desde 2007, um conjunto de denúncias de corrupção ocupou espaço na imprensa, envolvendo o nome do senador com o ganho de tráfico de influência na compra de uma empresa de refrigerantes, esquemas de desvio de dinheiro público em ministérios comandados pelo PMDB e a montagem de um plano de espionagem de senadores que fizessem oposição ao governo Lula. Em 2016, Renan foi réu em uma ação penal por crime de peculato, mas as denúncias não pararam por aí. Para encurtar essa lista, chegamos em 2020, com a mais recente acusação contra o senador, com a abertura do 17º inquérito para investigar Renan Calheiros. O foco são os possíveis desvios no fundo de pensão dos correios, o Postalis.

A sensação que tenho ao tomar contato com fatos que envergonham a nós, cidadãos brasileiros, é a necessidade de compreender essa inversão de valores que ocorre no Ministério Público, em que os conselheiros que foram a favor da denúncia de Renan contra Dallagnol reforçam uma posição descabida do exercício do Direito. E nos deixam, mais uma vez, órfãos perante casos como esse. Se os senhores conselheiros deixassem de lado interesses escusos e partidários e atentassem para a realidade dos fatos, iriam mais a fundo em pesquisas sobre a figura de Dallagnol, que deixou marcas expressivas no combate à corrupção do país e que apenas defendeu sua posição em redes sociais. O jurista ganhou notoriedade por coordenar a força-tarefa da Operação Lava Jato, responsável pela investigação de crimes dessa natureza em diversas estatais, como foi o caso da Petrobras

Atualmente desligado da Lava Jato, Deltan afirmou que os cofres públicos ainda vão receber de volta mais de R$ 10 bilhões da operação que, de acordo com sua visão, irá continuar. Assim esperamos. Nos seis anos de investigações, foram devolvidos R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos e 2.500 anos de penas aplicadas aos acusados. Como ele mesmo bem disse: “Árvore que não dá fruto não leva pedrada”. O que fica de tudo isso é que dizer a verdade, no Brasil, pode levar, sim, à punição. Principalmente se forem acusações contra corruptos. Foi exatamente o que aconteceu com Dallagnol. Fica o nosso questionamento: que país é esse, em que combater a corrupção dá processo e corruptos comemoram suas vitórias na Justiça? O que nós, brasileiros, podemos esperar do futuro? A verdade, caros leitores, é a de que esse país, infelizmente, não é sério e segue uma premissa básica: aqui “é o poste que mija no cachorro”.

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