Popularidade de Bolsonaro é ruim para ajuste fiscal, e teto de gastos corre riscos, dizem analistas

SÃO PAULO – O recente ganho de popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve ter impactos negativos sobre a agenda de ajuste fiscal, e uma das possíveis vítimas deste processo seria o teto de gastos.

Esta é a leitura de analistas políticos consultados pelo Barômetro do Poder, levantamento mensal do InfoMoney que compila avaliações e projeções sobre alguns dos principais temas nacionais.

A nova edição da sondagem, realizada entre 25 e 27 de agosto, mostra que 73% dos especialistas consultados acreditam que a melhora nos índices de aprovação do atual governo deve ir de encontro à agenda de controle dos gastos e saneamento das contas públicas. Apenas 27% apostam no oposto. Clique aqui para receber o levantamento na íntegra.

O levantamento retrata um momento em que duas alas do governo federal disputam o comando das medidas pós-crise e foi realizado logo após o adiamento do anúncio de um megapacote pela equipe econômica, incluindo o desenho para o Renda Brasil – novo programa de renda mínima, que substituirá o Bolsa Família.

De um lado, fiscalistas capitaneados pelo ministro Paulo Guedes (Economia) lutam pela manutenção de uma agenda de responsabilidade fiscal ancorada na regra do teto de gastos, que limita a evolução das despesas públicas à inflação do ano anterior.

Na outra ponta estão defensores de mais investimentos públicos para alavancar a retomada da economia no pós-pandemia – e também para colocar definitivamente Bolsonaro na corrida eleitoral de 2022, ainda que com dois anos de antecedência. Este grupo é mais numeroso e conta com os ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), além da ala militar.

O embate interno e posições ambíguas assumidas pelo presidente têm despertado preocupação entre agentes econômicos, que avaliam um crescente risco de deterioração do quadro fiscal, em uma combinação das demandas provocadas pela crise do novo coronavírus e uma acentuação das ambições políticas de Bolsonaro.

Segundo o Barômetro do Poder, cresceu entre os analistas políticos a percepção de ameaça ao teto de gastos. Para 80%, as chances de a âncora fiscal ser descumprida ou fragilizada durante a gestão Bolsonaro são altas ou muito altas. É a pior marca da série, iniciada em outubro de 2019.

Pela primeira vez, nenhum dos entrevistados atribui baixa probabilidade para este cenário. Em uma escala de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), a média das avaliações é de 4,07, o que corresponde a um crescimento de 0,14 ponto em comparação com o resultado de julho.

“O fracasso do lançamento do Plano Big Bang mostra uma dissintonia entre a equipe econômica e a articulação política do governo”, observa um dos analistas.

Para ele, há um descompasso entre a agenda econômica do ministro Paulo Guedes e a postura “populista” que o presidente tem adotado.

“É impossível manter uma política fiscal crível com um presidente já pensa na reeleição dois anos antes”, pontua.

Conforme previamente acordado com os participantes, as respostas e comentários são mantidos sob anonimato, sendo revelado apenas o resultado agregado sobre cada questionamento feito.

Participaram desta edição 11 consultorias de risco político: BMJ Consultores, Control Risks, Dharma Political Risk and Strategy, Eurasia Group, MCM Consultores, Medley Global Advisors, Patri Políticas Públicas, Prospectiva Consultoria, Pulso Público, Tendências Consultoria e XP Política. E quatro analistas independentes: Antonio Lavareda (Ipespe); os professores Carlos Melo (Insper) e Cláudio Couto (EAESP/FGV) e o jornalista e consultor político Thomas Traumann.

Pessimismo com reformas

O Barômetro também mostra que segue elevado o pessimismo dos analistas políticos com o andamento da agenda de reformas econômicas, em contraste com uma melhora na percepção sobre a relação entre os Poderes.

Segundo o levantamento, nenhuma das PECs da chamada Agenda Mais Brasil é vista com boas chances de ser aprovada no Congresso Nacional.

Em uma escala de 1 a 5, a PEC dos Fundos é a que tem maior nota: 2,67. Mas apenas 27% dos entrevistados atribuem probabilidade alta de a proposta avançar.

No caso das PECs da Emergência Fiscal e do Pacto Federativo, este grupo soma 7%. O conjunto de propostas voltou à lista de prioridades da equipe econômica neste semestre.

O cenário se repete para a reforma tributária. Apenas 20% dos analistas atribuem chances elevadas de o projeto de unificação dos impostos federais PIS e Cofins na forma de uma Contribuição sobre Bens e Serviços, apresentado pelo governo federal no mês passado, avançar no Congresso Nacional.

De nove itens consultados na reforma tributária, apenas a tributação de dividendos supera a média de 3 em uma escala de 1 a 5. O segundo item com melhor posição é a possibilidade de correção na tabela do IRPF: 2,93.

Do lado da reforma administrativa, todos os pontos levantados foram vistos com baixas chances de aprovação. Nenhum dos analistas acredita na inclusão de militares ou mesmo na abrangência de novas regras para servidores dos níveis federal, estadual e municipal.

Já a possibilidade de a proposta atingir futuros ingressantes ao funcionalismo e atuais servidores é vista como alta por 7%. Mesmo percentual dos que acreditam em avanços de uma proposta válida para os Três Poderes.

“Guedes promete reforma administrativa há mais de um ano, mas sequer a proposta (um punhado de folhas grampeadas) ele consegue entregar ao Congresso. Promete reforma tributária ampla, incluindo CPMF, mas nem essa péssima ideia consegue entregar. Promete privatizações, mas nem os PLs que permitiriam as vendas ele consegue produzir. Prometeu um ‘Big Bang’ da politica social, mas só entregou vácuo. No final, ainda chamou de ‘criminosos’ os senadores por derrubarem um veto que ele mesmo negociara para vir depois de permissões salariais para militares. Agora, espera que esses mesmos ‘criminosos’ vão votar os projetos que ele promete?”, diz um analista.

Os entrevistados veem elevadas chances de ao menos dois vetos presidenciais que devem ser analisados nesta semana pelo Congresso Nacional serem derrubados. São eles: a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores (Veto 26/2020); e prorrogação dos contratos de programa por 30 anos, pelo novo marco do saneamento básico (Veto 30/2020).

Eles, porém, acreditam que o governo conseguirá manter o veto à ampliação dos beneficiários do auxílio emergencial (Veto 13/2020). A sessão para analisar os dispositivos está marcada para a próxima quarta-feira (2) e ocorre duas semanas após o governo ter que suar a camisa para manter o impedimento sobre reajustes salariais, progressões de carreira e novas contratações no funcionalismo público.

Do lado do Renda Brasil, nenhum dos analistas vê elevadas chances chances de o abono salarial, o salário-família ou seguro defeso serem extintos para viabilizarem o novo programa de renda mínima do governo.

Melhor governabilidade

Apesar do pessimismo com a agenda econômica, o levantamento mostra uma melhora na percepção dos analistas políticos consultados sobre o apoio ao governo Jair Bolsonaro e a relação entre os Poderes.

As estimativas para o tamanho da base aliada chegaram a 186 deputados federais e 23 senadores. Os números correspondem a 36% dos assentos da Câmara dos Deputados e 28% do Senado Federal.

O resultado corresponde a uma leve alta em relação aos números do mês anterior, mas ainda é insuficiente para garantir a aprovação de uma agenda de interesse do Palácio do Planalto no Congresso Nacional.

Apenas 20% dos analistas classificam como boa a relação entre Executivo e Legislativo. A maioria (53%) entende que a relação é “regular”. E para 80% deverá permanecer assim ao longo dos próximos seis meses. Enquanto 13% acreditam na piora nas relações, e 7% em um ambiente mais favorável.

Considerando uma escala de 1 (muito baixa) a 5 (muito alta), a média das respostas sobre a capacidade de o governo aprovar proposições no parlamento é de 2,73.

Segundo o levantamento, 20% dos entrevistados atribuem capacidade elevada. Embora seja minoritário, o grupo cresceu 13 pontos percentuais em relação a julho. É o melhor resultado do governo nesta série, iniciada há um ano.

Os analistas também observam uma leve melhora nas relações entre Executivo e Judiciário. Em uma escala de 1 a 5, a nota média atribuída saltou de 2,2 em julho para atuais 2,47. O grupo dos que avaliavam a relação entre os Poderes como ruim ou péssima recuou de 66% para 54% no mesmo período.

“A aproximação de Bolsonaro com o Centrão tem tido altos e baixos. Ao final de agosto está melhor do que ao final de julho, mas é ainda sujeita a instabilidades. De qualquer forma, a mudança nas lideranças do governo no Congresso, a alocação de indicados do Centrão para cargos no governo e a disposição de Bolsonaro em gastar mais às vésperas da eleição podem lhe dar alguma estabilidade até, pelo menos, o início do novo ano legislativo, com as eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Bolsonaro também parece ter superado as resistências mais fortes na sociedade à sua condução diante da pandemia, talvez sinal da fadiga com a quarentena e à normalização de sua abordagem para o problema”, observa um dos participantes.

“A melhoria na relação entre Executivo e Legislativo não foi produto apenas da comunicação menos agressiva do presidente, mas também do reposicionamento das peças no tabuleiro político que envolve as eleições municipais e para as mesas diretoras de Câmara e Senado. O pleito municipal dará um termômetro prospectivo para 2022, ao passo em que os principais atores têm muito a perder na disputa pelas presidências das casas legislativas, o que poderá precipitar uma maior cooperação. Especialmente no caso de o STF confirmar a possibilidade de reeleição de Maia e Alcolumbre”, pontua outro analista.

Para acessar a íntegra desta edição do Barômetro do Poder, clique aqui.

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