Cientistas e pesquisadores atribuem o dado à evolução natural da própria doença, e ainda refutam tese da influência a imunidade de rebanho e dizem que redução ocorre após pico da pandemia. Membro das Forças Armadas desinfecta local onde fica o Cristo Redentor, no Corcovado, no Rio de Janeiro, contra a Covid-19.
Mauro Pimentel/AFP
O Brasil registrou na quarta-feira (9) o terceiro dia de queda consecutiva na média móvel de mortes por Covid-19. Todas as datas com queda no índice foram registradas no mês de setembro. Antes disso, não houve outros períodos de queda na média móvel.
Semana até 5 de setembro: média de 819 mortes por dia, redução de 17%
Semana até 7 de setembro: média de 784 mortes por dia, redução de 17%
Semana até 8 de setembro: média de 691 mortes por dia, redução de 26%
Semana até 9 de setembro: média de 679 mortes por dia, redução de 25%
A notícia é boa, mas, segundo especialistas ouvidos pelo G1, o dado deve ser interpretado com cautela, uma vez que os registros são recentes para já afirmar que esta é a tendência da pandemia no Brasil.
Para explicar os principais pontos do tema, os especialistas respondem, abaixo, as seguintes perguntas:
A queda na média móvel representa a realidade de todo o país?
O que explica a queda na média móvel das mortes?
A queda significa que o Brasil atingiu o pico da pandemia?
A queda significa que o Brasil atingiu a imunidade de rebanho?
A queda na média móvel das mortes será constante daqui em diante?
Poderemos ter um segundo aumento de mortes tão alto quanto registrado no pico?
Já é possível relaxar medidas de isolamento?
Veja abaixo as respostas:
1. A queda na média móvel representa a realidade de todo o país?
O epidemiologista Paulo Lotufo afirma que é preciso olhar com ponderação para a média móvel nacional, uma vez que o Brasil tem diferentes epidemias acontecendo ao mesmo tempo.
“O coronavírus não atingiu todo o Brasil ao mesmo tempo, chegou primeiro em São Paulo capital e foi se espalhando. É complicado falar da pandemia no Brasil como um todo, pois ela tem uma realidade própria em cada lugar, tem dinâmicas muito distintas”, afirma Lotufo.
Por isso, o epidemiologista prefere analisar a curva epidêmica de cada estado separadamente.
“Muito do que vemos na média móvel nacional é resultado da situação da pandemia em São Paulo e Minas Gerais, os estados mais populosos. O interior paulista conseguiu controlar as mortes neste período, por exemplo, isso refletiu na média nacional. Por outro lado, os óbitos continuam crescendo em alguns estados”, diz.
De fato, quando o Brasil apresentou a segunda queda de mortes na média móvel, em 7 de setembro, 17 estados – dos 26 estados mais o Distrito Federal – apresentaram redução de fato (SC, ES, RJ, DF, GO, MT, AC, AP, RO, AL, BA, MA, PB, PE, PI, RN e SE), enquanto que dois ainda apresentavam aumento das mortes (AM e RR), e o restante estava em estabilidade.
O infectologista Alberto Chebabo, da Sociedade Brasileira de Infectologia, ressalta ainda que as duas últimas médias móveis passaram por um feriado seguido de final de semana, o que pode ter interferido no registro dos óbitos.
“Segunda-feira tivemos 315 mortes notificadas, é um número muito baixo quando comparado com dias anteriores, que já chegou a mais de mil. Provavelmente esse número teve impacto do feriado [7 de setembro]. Geralmente as notificações caem nesses períodos”, diz Chebabo.
2. O que explica as quedas de morte na média móvel nacional?
O epidemiologista Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), explica que, ao contrário de países da Europa que conseguiram conter a disseminação do vírus por meio de políticas de saúde pública rigorosas, a queda das mortes na média móvel brasileira é resultado do que os cientistas chamam de “história natural da doença”.
“Fizemos pouca política de isolamento, falhamos com a saúde pública, não conseguimos conter o vírus, deixamos seguir a ‘história natural da doença’, em que um vírus diminui a sua disseminação naturalmente quando atinge o seu próprio limite. É o que está acontecendo neste momento no Brasil”, afirma o epidemiologista.
Hallal lembra que, em abril, o Ministério da Saúde previu que a curva epidemiológica começaria a baixar em junho ou julho, mas como as medidas para conter a Covid-19 não foram tomadas no tempo certo, o pico da pandemia se transformou em um platô, matando por semanas mais de mil pessoas por dia.
“O vírus está nos mostrando que a sua história natural foi bem mais longa que isso. Nossa curva durou de março a setembro pelo fato de que o Brasil descumpriu sistematicamente as recomendações da ciência, como lockdown e distanciamento. Pagamos o preço, tivemos a curva epidêmica mais longa do mundo”, diz Hallal.
Ativistas da ONG Rio de Paz usam roupa de proteção e fazem covas na areia da praia de Copacabana, no Rio, para simbolizar as mortes de Covid-19 durante a pandemia do novo coronavírus no Brasil
Pilar Olivares/Reuters
3. A queda significa que o Brasil atingiu o pico da pandemia?
Segundo o infectologista Chebabo, todo o Brasil já alcançou o pico da pandemia. “Estamos em uma fase de redução de números de casos justamente porque atingimos o pico em todos os estados. Então, a tendência agora é diminuir, mas a gente tem que esperar para ver se a queda irá se manter”, diz Chebabo.
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“[Em epidemias] Você tem um pico e, após ele, a transmissão continua acontecendo, mas num limiar mais baixo. É o que está acontecendo no Brasil agora e o que já aconteceu em quase todo o mundo. É a evolução natural da doença”, compara o infectologista.
4. A queda significa que o Brasil atingiu a imunidade de rebanho?
A imunidade de rebanho ocorre quando uma parcela grande o suficiente de uma população foi infectada naturalmente e desenvolveu uma defesa contra o vírus. Com isso, o vírus não consegue se espalhar.
“Numa imunidade de rebanho, você tem uma circulação muito baixa do vírus porque a maioria das pessoas está imune. Isso não aconteceu no Brasil, o vírus continua se espalhando de pessoa à pessoa aqui, ele está em intensa circulação”, diz Chebabo.
Um estudo da UFPel de julho mostrou que, apesar das mais de 120 mil mortes no país, apenas 3,8% dos brasileiros já foram infectados com o coronavírus.
“Isso é uma bobagem, é uma especulação, ainda não temos uma base segura para falar em imunidade de rebanho na pandemia. Não conhecemos o vírus direito e sabemos pouco sobre como funcionada a imunidade”, afirma Lotufo.
Para Hallal, imunidade de rebanho não é uma solução para conter a pandemia, uma vez que, para ser alcançada, milhões de brasileiros ainda precisariam ser infectados.
“A imunidade de rebanho não deve ser objetivo de uma política de saúde na pandemia, não é responsável, custaria muitas vidas”, afirma o reitor da UFPel.
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5. Poderemos ter um segundo aumento de mortes?
Existe a possibilidade de uma segunda onda de casos e mortes em todo o mundo, mas, no caso do Brasil, um aumento não deve ser tão alto quanto o que foi registrado no pico da pandemia.
“Não podemos fazer uma previsão de que terá uma segunda onda e qual será o tamanho dela, mas a tendência é que, se houver no Brasil, ela será menor do que a primeira porque já tivemos um percentual muito grande da população infectada”, explica Hallal.
Já em países da Europa, uma segunda onda tenderia a ser maior que a primeira porque os países conseguiram proteger a população com as medidas de lockdown e distanciamento.
“Países europeus, por causa das medidas rigorosas que adotaram, têm grande parte da população que não foi exposta ao vírus. Pode parecer uma desvantagem, mas se vier uma segunda onda, agora conhecemos melhor a infecção e logo podermos ter uma vacina”, afirma Hallal.
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6. A queda na média móvel das mortes será constante daqui em diante?
Não necessariamente, uma vez que ainda existem muitas pessoas suscetíveis ao vírus.
“As quedas ainda são recentes. Precisamos acompanhar para vez se a tendência se manterá. O vírus não parou de circular”, diz Chebabo.
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7. É possível relaxar as medidas de isolamento?
Para Hallal, é possível afrouxar as medidas de confinamento e pensar em reabertura de algumas atividades, porém com restrições e analisando caso a caso.
“A queda na média móvel não quer dizer que é possível retomar todas as atividades. Por outro lado, quando a curva epidemiológica está descendente, é possível planejar uma retomada da economia de forma gradativa e deve levar em consideração o cenário epidemiológico de cada estado, diria até de cada cidade”, diz Hallal.
eriado do Dia da Independência do Brasil de praias lotadas no Rio de Janeiro em plena pandemia de Covid 19, nesta segunda-feira, 7 de Setembro.
Erbs jr./Framephoto/Estadão Conteúdo
Os especialistas avaliam que não é hora de promover aglomerações ou diminuir o distanciamento social. Como exemplo da retomada sem aglomeração, Hallal afirma que já é possível realizar campeonatos de esportes coletivos, mas com todas as medidas contra a transmissão (testagem e isolamento dos envolvidos), e sem o público.
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“Agora é o momento para voltar o futebol, por exemplo, mas não dá para retomar os campeonatos na pandemia com presença do público”, exemplifica.
Nesta lógica, as aulas presenciais nas escolas e universidades devem ser as últimas atividades a serem retomadas. “A sala de aula é um lugar que não permite muito o distanciamento”, alerta Hallal.
Conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o distanciamento entre as pessoas para evitar a transmissão do coronavírus por gotículas expelidas ao falar, rir ou tossir deve ser de 1 metro e meio a dois metros, além do uso da máscara.
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