Documento denuncia desvio de verbas públicas, “rachadinha” e lavagem de dinheiro envolvendo nomes ligados ao PRTB-GO e ao Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS).
Uma recente queixa-crime protocolada junto às autoridades goianas e federais – incluindo o Ministério Público, a Polícia Federal e a Delegacia de Repressão a Crimes Organizados (DECCOR) – lança luz sobre um suposto esquema complexo de desvio de verbas, “rachadinha” em cargos públicos e formação de organização criminosa. A peça, apresentada pelo advogado Guilherme do Amaral Pereira, coloca em xeque a atuação de figuras proeminentes no cenário político de Goiás: *Erciley Pires Santana, conhecido como Santana Pires, sua companheira Vanessa Barros Machado, e Luiz Carlos da Silva Júnior, o Júnior Café, apontados como os pilares dessa intrincada rede criminosa.
A denúncia não se limita a apontar indícios, mas detalha a engenharia de um suposto grupo que teria manipulado recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e orquestrado a nomeação de indivíduos para cargos em órgãos públicos em troca de parte de seus salários. A matéria a seguir explora o papel central de cada um dos acusados, conforme os relatos contidos na queixa-crime.
Santana Pires: O Mentor e Operador Oculto do Esquema
No coração da suposta organização criminosa estaria *Erciley Pires Santana, o Santana Pires. Embora não ocupasse formalmente cargos públicos ou partidários em alguns dos contextos citados, a queixa-crime o descreve como o verdadeiro cérebro por trás das operações. No tocante ao desvio de verbas eleitorais, o documento afirma que, apesar de Vanessa Barros Machado ser a presidente do PRTB-GO nas eleições de 2024 e, portanto, a responsável pela distribuição dos recursos do FEFC, ela “funcionou como laranja do seu marido Erciley Pires Santana, fazendo tudo o que ele lhe ordenava, sendo ele que estava a frente das reuniões sem ser filiado ao partido, e foi ele que determinou que ela distribuísse o dinheiro do FEFC de acordo com o que ele entendia“, conforme a Queixa Crime, seção 1.1.
Essa atuação nos bastidores de Santana Pires se estenderia à gestão de órgãos públicos. No Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS), a denúncia é categórica ao descrevê-lo como “mentor e operador oculto do esquema criminoso, embora não ocupasse qualquer cargo oficial na estrutura do IMAS”. O documento ainda detalha sua presença nos gabinetes, exercendo poder de mando: “Relatos dão conta de que Erciley Pires Santana circulava livremente nos gabinetes do IMAS, especialmente na presidência, onde dava ordens sobre o funcionamento da rede de propinas, mesmo sem qualquer vínculo funcional com o órgão“, conforme a Queixa Crime, seção 1.1, item 14.
Além disso, Santana Pires é diretamente implicado em confissões de “rachadinha”. A queixa-crime aponta que Claudivino José Vieira, ex-dirigente do PRTB-GO, confessou repassar metade de seu salário diretamente para Erciley Pires Santana. “Tal confissão não se limitou a este encontro, sendo também reiterada pelo Sr. Claudivino ao Sr. ANDRÉ PAPINE”, reforçando a gravidade da prática, de acordo com a Queixa Crime, seção 1.1, item 15. A denúncia também registra que “é comentário geral entre os políticos de Goiás que Santana Pires utiliza sua esposa e outros como laranja, em partidos políticos e nas prefeituras de Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis, aplicando a famosa rachadinha em fundo eleitoral e em cargos públicos.“
Vanessa Barros Machado: A Peça-Chave na Lavagem e Articulação Política
Apontada como “laranja” de Santana Pires no controle do PRTB goiano, Vanessa Barros Machado é descrita como figura central tanto no esquema de desvio de fundos eleitorais quanto na “rachadinha” em órgãos públicos. Sua posição como presidente do PRTB-GO a colocou no centro da distribuição de recursos do FEFC, onde, supostamente, seguia as orientações de Santana Pires. A denúncia sugere que a desproporção entre os valores recebidos pelos candidatos e seus votos indicam um provável esquema de retorno de dinheiro para o casal.
A queixa-crime traz um ponto crítico com a confissão atribuída ao próprio Santana Pires, em áudio, sobre o pagamento de R$ 60 mil ao candidato a vereador Rodrigo Cirqueira de Sousa. Nesse trecho, Vanessa Barros é explicitamente mencionada como a responsável por levar o dinheiro: “Vanessa Barros foi lá e pagou ocê, foi lá e pagou ocê, cê tava meio nervoso, pensando que eu era avalista, Vanessa foi lá e levou R$ 60 mil pro cê, Rodrigo, e pagou, pagou conta que não era nem nossa“, segundo a Queixa Crime, seção 1.1, item 12, indicando sua participação ativa no que seria uma operação de “Caixa 2”.
Além das verbas eleitorais, Vanessa Barros Machado, ao lado de Santana Pires, é acusada de articular as nomeações em órgãos como IMAS, PROCON e Secretaria de Relações Institucionais (SRI). A denúncia destaca que “Vanessa Barros Machado e Luiz Carlos da Silva Junior (Junior Café) [estavam] nos cargos de comando”, como mencionado na Queixa Crime, seção 1.1, item 15. Isso demonstra sua suposta posição de poder na estrutura da “rachadinha” de salários. Sua influência também é citada na confissão de Claudivino José Vieira, que afirmou repassar metade do seu salário a Santana Pires “sob solicitação e orquestração de VANESSA BARROS MACHADO“. O mesmo se aplica a João Guimarães Aguiar, que também confessou repassar parte do salário ao casal.
Luiz Carlos da Silva Júnior (Júnior Café): O Braço Executivo na Gestão Pública
A figura de *Luiz Carlos da Silva Júnior, o Júnior Café, emerge como o braço executivo da suposta organização criminosa na gestão pública, especialmente no Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS). A queixa-crime aponta que ele foi indicado para presidir o IMAS em 5 de maio de 2021 pelo casal Vanessa Barros Machado e Erciley Pires Santana, marcando o início do esquema no instituto, conforme a Queixa Crime, seção 1.1, item 13.
Como ex-secretário e figura central na gestão da saúde municipal em 2021, Júnior Café é acusado de atuar “em conluio direto com o Sr. Santana Pires”, mesmo que este último não tivesse vínculo formal com o órgão. A denúncia é enfática ao descrever um cenário de corrupção sistêmica no IMAS, onde “empresas contratadas, hospitais conveniados e profissionais de saúde somente recebiam seus pagamentos mediante o repasse de propinas, com percentuais que chegavam a 50% dos valores devidos”, uma prática descrita como “reiterada e institucionalizada de subtração de recursos públicos”, com “ameaças veladas e extorsões disfarçadas de ‘acordos administrativos“, conforme a Queixa Crime, seção 1.1, item 14.
Além da extorsão, a queixa-crime detalha a participação de Júnior Café na ocultação de bens e lavagem de dinheiro, utilizando familiares e pessoas de confiança como “escudo patrimonial”. Imóveis, veículos e bens de luxo teriam sido registrados em nome de mães, filhos e amigos próximos, configurando “indícios consistentes de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio ilícito”, conforme a Queixa Crime, seção 1.1, item 14. A denúncia ressalta que “a saúde pública foi vilipendiada por uma possível rede de criminosos infiltrados no poder”, sublinhando a gravidade das acusações contra Júnior Café em sua gestão.
Uma Rede de Parentesco e Influência
A queixa-crime não se limita aos três nomes principais, mas descreve uma ampla rede de envolvidos, muitos com laços familiares ou de amizade com Vanessa, Santana Pires e Júnior Café. Entre eles estão filhos, irmãos, ex-namoradas e amigos que supostamente emprestavam contas bancárias, nomes para bens, ou participavam da coleta e repasse de dinheiro. Essa estrutura complexa sugere um modelo de organização criminosa que utilizava a confiança e os laços pessoais para perpetrar os ilícitos.
A denúncia aponta para crimes de organização criminosa (Art. 2º, § 4º da Lei 12.850/2013), corrupção ativa e passiva (Art. 317 e 333 do CP), extorsão (Art. 158 do CP), lavagem de dinheiro (Art. 1º da Lei 9.613/1998) e peculato (Art. 312 do CP).
Os pedidos formais na queixa-crime incluem o afastamento imediato dos envolvidos de seus cargos, a quebra de sigilos bancário, telemático e telefônico, e a prisão de Santana Pires, Vanessa Barros Machado, Luiz Carlos da Silva Júnior e outros co-acusados, além da proibição de comunicação entre eles.
A denúncia, que já está nas mãos das autoridades, sublinha a urgência de uma investigação aprofundada para confirmar as acusações e responsabilizar os envolvidos. O caso promete agitar o cenário político goiano, revelando os meandros de um suposto esquema que, se comprovado, corroeu a confiança pública e desviou recursos que deveriam ser destinados ao bem-estar da população. É crucial salientar que todos os acusados gozam da presunção de inocência até que se prove o contrário em trânsito em julgado.
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