As lições de Ruth Bader Ginsburg e a vaga no STF

Como se o ano de 2020 já não tivesse peculiaridades suficientes, ainda será cunhado como aquele em que o mundo se viu tolhido da presença da Juíza da Suprema Corte norte americana Ruth Bader Ginsburg, cuja história foi refletida recentemente em filmes como “Suprema” e “A juíza”. Evidente que não me refiro à sua presença física, haja vista que a profundidade e magnitude dos seus ensinamentos, discussões, postura, perseverança e coragem se perpetuarão não apenas entre os operadores do Direito. Rotulá-la com uma causa específica não faz jus à imensidão intelectual e visão à frente de seu tempo, aliada a uma rara sensibilidade humana conjugada a uma técnica impecável, sendo que qualquer adjetivo que não remeta à genialidade deve ser de plano desconsiderado.

Os exemplos marcantes de sua atuação são inúmeros, como o caso tributário restringindo o direito de um homem que alçou como paradigma, para, posteriormente, usá-lo como fonte de correção de uma falha histórica de igualdade. Seus votos ajudaram a manejar a instabilidade cultural dos EUA, contribuindo significativamente com assuntos como direitos de hipossuficientes e questões imigratórias, sendo que a vaga agora latente no Pretório Excelso americano já é considerada por alguns como a nomeação mais importante da história do tribunal moderno, sendo notoriamente paradoxal que tal atribuição possa recair nas mãos do antigo apresentador do “The Apprentice”.

Vale relembrar que RBG foi indicada por Bill Clinton em 1993, sinalizando uma preocupação de equalização através do debate na Alta Corte dos mais diversos temas, em destaque há mais de 20 anos. Por aqui, a acusaram de ter cometido suposto equívoco por não ter se aposentado durante o primeiro mandato do presidente Obama, olvidando-se de que o simples fato de a ter à mesa durante os debates dessa última década certamente trouxe contribuições e reflexos de relevo e importância ímpares.  Um olhar sobre a trajetória icônica da juíza americana também descortina o sentir de que a nossa discussão para a vaga do Ministro Decano do STF que em breve será suprida por nomeação, sequer tangenciará os fatos que a levaram a ser escolhida para a Corte Maior, pois, na mesma semana de tão significativa perda de uma pensadora contemporânea e obstinada a diminuir desigualdades, observamos questionamentos e críticas simplistas a processos seletivos destinados a verdadeira inclusão.

Apesar de tudo, aqui me reafirmo otimista: um pais que viveu, que fez, e colheu os frutos das jornadas de julho de 2013, supostamente teria engajamento e maturidade para acompanhar – e fazer acontecer esse processo de redução de desigualdades – da melhor forma possível, fazendo sempre lembrar o compromisso – e a dívida – com a diversidade, a inclusão, e a liberdade!

*Marcelo Escobar é advogado, professor e músico. Escreve às quartas-feiras sobre assuntos jurídicos e seus impactos na vida cotidiana.

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