Torrent e Sampaoli usam a Seleção de 1982 como inspiração para trabalhos no futebol brasileiro

Muito antes de se tornarem os dois principais técnicos estrangeiros em atividade no Campeonato Brasileiro, o espanhol Domènec Torrent, do Flamengo, e o argentino Jorge Sampaoli, do Atlético-MG, guardavam uma admiração e uma idolatria pelo País onde hoje trabalham. A seleção brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1982, na Espanha, inspirou grande parte das convicções futebolísticas dos dois e é um modelo a ser aplicado nas equipes que dirigem. Torrent chegou ao atual campeão Flamengo com o currículo de ter sido auxiliar de Pep Guardiola em equipes como Barcelona, Bayern de Munique e Manchester City. A dura missão de substituir o vitorioso técnico português Jorge Jesus coloca o espanhol de 58 anos como um dos treinadores mais badalados atualmente. Além dele, Sampaoli é outra estrela “importada”. Após ter sido vice-campeão nacional com o Santos em 2019, esteve na mira do Palmeiras e agora comanda o Atlético-MG.

Embora no Brasil exista ainda um outro estrangeiro em atividade, o argentino Eduardo Coudet, no Internacional, Torrent e Sampaoli são os mais observados. E para explicar os motivos que fazem a dupla despontar nesse cenário, o Estadão conversou com pessoas próximas aos dois para entender as convicções futebolísticas de cada um, assim como procurou desvendar quais os diferenciais de ambos. Um ponto em comum os une: a seleção de 1982.

A equipe de Zico, Sócrates, Falcão e Júnior encantou o mundo na Espanha naquele ano, porém acabou fora da Copa após perder para a Itália. O futebol de estilo técnico, a presença de craques e o apego à beleza do jogo encantaram na época dois jovens na casa dos 20 anos. Torrent e Sampaoli viram naquela equipe uma inspiração para criarem um lema para as suas carreiras: é preciso ter amor pela bola.

Quem desvenda o estilo de Torrent é o amigo Eloi Amagat, meia do Olot, da terceira divisão espanhola. Os dois nasceram em cidades próximas da Catalunha e se conheceram há 15 anos, quando trabalharam no Girona, e anos mais tarde se reencontraram no New York City, dos Estados Unidos. “O Dome quer que seus times tenham a bola e a iniciativa de jogo. Para ele, é preciso ser protagonista sempre e dominar o adversário”, contou ao Estadão.

A obsessão em ter a posse de bola se reflete em detalhes durante os treinamentos, como nos trabalhos físicos, com os jogadores quase sempre tendo a bola nos pés. As atividades de Torrent têm como diferencial a proposta de desenvolver aptidões ofensivas, mesmo quando se tratam de exercícios em pequenos grupos ou campos reduzidos. “Todos os treinos são focados na iniciativa de ter a bola no pé, de tratá-la bem e de ir ao ataque”, explicou Amagat.

O técnico do Flamengo tem como outro aspecto diferencial o gosto por se aproximar dos atletas. “Ele se preocupa não só com o estado físico. Gosta também de entender o psicológico de cada um O Dome sempre quer ter contato direto com os atletas, é uma pessoa muito afável e que faz o jogador sentir que tem um técnico e amigo perto dele”, disse Amagat.

Uma das primeiras preocupações de Torrent ao chegar ao Brasil foi iniciar aulas de português para evoluir na comunicação com os atletas. Sampaoli, por sua vez, não faz questão de aprender português. Mas consegue se fazer entender por um recado repetido exaustivamente: “Amor por el balón”. O respeito à bola faz o treinador abominar chutões ou estilos defensivos. Segundo o autor da biografia do técnico, Pablo Paván, essa convicção surgiu no argentino há muito tempo. “Ele sempre teve o futebol do Brasil como inspiração, principalmente a seleção de 1982. Por isso ele se sente tão cômodo no País”, contou.

Sampaoli detalhista

Paván e Sampaoli se conhecem há mais de 30 anos e são da mesma cidade, Casilda. O técnico adora passar férias por lá junto com a família e nesta pandemia doou macas para um hospital local. Dono de personalidade forte, Sampaoli não gosta de entrevistas, é fã de rock argentino e também não abre mão das convicções que tem sobre o futebol. Seja qual for o placar.

“Sampaoli tem uma ideia fixa no trabalho. Em qualquer equipe em que estiver, ele quer que o time domine a posse de bola e procure quem esteja livre. Mesmo se o resultado for negativo, não se pode mudar esse estilo”, disse Pavan.

Nos treinos, a necessidade de o time trocar passes e de propor sempre o jogo é aplicada em detalhes. Até o goleiro precisa ser habilidoso com os pés. Essa exigência fez o Santos e o Atlético-MG a buscarem novos nomes para a posição.

“Para o Sampaoli, o goleiro é o primeiro homem para a saída de jogo. Se ele não acertar um bom passe, a viagem do time rumo ao gol perde qualidade. Ele entende que a construção de jogadas é como erguer um prédio: precisa ter segurança e tranquilidade desde o começo”, explicou o escritor.

O argentino tem pedido reforços e reclamado que no Brasil é difícil enfrentar tantos times defensivos. “Estamos aprendendo juntos a jogar de uma maneira, em um meio em que os esquemas defensivos são muito fortes. Estamos no princípio da formação.”

*Com Estadão Conteúdo

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